Hélio Zylberstajn discorre sobre limites para o seguro- desemprego.

Aprimorar o seguro-desemprego

Hélio Zylberstajn – FEA

Os textos que escrevi nos dois últimos números deste boletim analisaram alguns aspectos do seguro-desemprego brasileiro. No primeiro, fiz uma avaliação dos impactos da MP 665, que faz parte do programa de ajuste do Governo e que tem como objetivo reduzir os gastos com os benefícios do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e do Seguro Defeso. No segundo, descrevi os incentivos à rotatividade e à fraude criados pelos programas de proteção ao desempregado no Brasil. Neste terceiro e último texto apresentarei duas propostas que podem contribuir para reduzir os incentivos indesejáveis.

Há pelo menos quatro tipos de programas de proteção ao desempregado, no mundo: (a) Seguro-Desemprego financiado por um fundo coletivo solidário; (b) Seguro-Desemprego financiado por contas individuais vinculadas; (c) Indenização na demissão; (d) Incentivo e/ou subsídio ao emprego. O Brasil talvez seja um dos poucos casos de países que têm os quatro tipos. Nosso seguro-desemprego é financiado pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Temos também o modelo da conta individual vinculada, o nosso conhecido FGTS. Também adotamos a indenização na demissão, que é a multa de 50% do valor acumulado na conta vinculada do FGTS. Finalmente, temos também o incentivo ao emprego, que é o Abono Salarial (e, mais recentemente, as isenções da contribuição patronal ao INSS). O Brasil, portanto, é um caso de proteção quádrupla do emprego. Apesar disso, nossas taxas de rotatividade são altíssimas e os indícios de fraude são abundantes. A MP 665 aparentemente não será capaz de corrigir esta situação, já que foi elaborada a partir de um enfoque fiscalista. Como então aperfeiçoar os programas?

Parcelas mensais do Abono Salarial. Têm direito ao Abono Salarial (no valor de um Salário Mínimo por ano) os trabalhadores formais que recebem até dois Salários Mínimos por mês. É um incentivo à formalização, mas enfraquecido, pois basta ter trabalhado um mês com carteira assinada para ter direito a ele. Para tornar o incentivo mais intenso, a MP 665 estabelece uma proporcionalidade entre o número de meses com carteira assinada e também exige um número mínimo de permanência no mercado formal. A MP, no Abono Salarial, está na direção correta. Poderia ser reforçada se, ao invés de pagar o abono em uma parcela no ano seguinte, dividisse o benefício em parcelas mensais (de aproximadamente R$67 aos valores aos de hoje), começando a ser paga após seis meses de participação no mercado formal.

Fundir seguro-desemprego e FGTS. Quando um trabalhador é demitido, recebe da empresa um formulário que entrega na Caixa Econômica Federal. Com esta providência, passa a receber automaticamente as parcelas do seguro-desemprego e pode sacar o saldo do seu FGTS e a multa indenizatória. Não se exige dele nenhuma comprovação de que esteja procurando um outro emprego. O programa poderia por exemplo exigir que, antes de receber cada uma das parcelas, procurasse uma agência pública de emprego e para ser encaminhado a uma vaga. Poderia também efetuar o pagamento em parcelas semanais, para intensificar o processo de busca de um novo emprego. Estas medidas reduziriam o incentivo ruim do sistema, mas seriam de alcance limitado. Para criar incentivos na direção correta e mais eficazes, teríamos que pensar em algo mais profundo e radical. Por exemplo, poderíamos fundir o seguro-desemprego e o FGTS. Isso poderia ser feito com as seguintes medidas:

(a) Eliminar o PIS e aumentar o valor do depósito na conta vinculada, dos atuais 8% para 10% ou 12%;
(b) Reduzir as hipóteses de saque para três situações apenas: desligamento, aposentadoria e morte;
(c) Os saques seriam mensais, em valores que repusessem uma parcela do salário que o trabalhador tinha antes do desligamento;
(d) Remunerar a conta vinculada com taxas de mercado, semelhantes às taxas dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional;
(e) Estender este programa a todos os trabalhadores, inclusive aos funcionários públicos;

Hoje, no desligamento, o trabalhador tem todo o incentivo para receber seu seguro-desemprego, que é um recurso coletivo. E tem todo interesse em sacar seu FGTS, que é remunerado a taxas ínfimas, muitas vezes inferiores à inflação. Com as medidas elencadas acima, esta lógica seria invertida. Ao ser desligado, o trabalhador teria interesse em preservar seu saldo na conta vinculada, sabendo que cada parcela recebida seria um saque contra sua aposentadoria. Procuraria encontrar uma nova vaga, para deixar de sacar contra si mesmo e voltar a receber depósitos na sua conta vinculada.

Salvo melhor juízo, estas propostas poderiam ser adotadas com leis ordinárias, já que se trata de alterar aspectos operacionais dos dois programas. Evidentemente, teriam que ser muito bem explicadas à população. Não seria fácil convencer os trabalhadores e menos fácil ainda enfrentar os diversos e poderosos interesses existentes por trás do atual sistema. Para facilitar sua adoção, as medidas não precisariam ser aplicáveis imediatamente para todos. Poderiam valer apenas para os novos ingressantes no mercado de trabalho, sem alterar as regras para os atuais trabalhadores, a menos que estes espontaneamente decidissem aderir ao novo modelo.

A menos que alterações profundas sejam feitas, nosso sistema de proteção ao desempregado continuará a incentivar a rotatividade e a fraude. Se o país quiser mesmo melhorar seu ambiente de negócios e preservar a proteção aos desempregados e aos aposentados, ideias ousadas como as aqui apresentadas terão que ser debatidas e implementadas.

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