Dr. Júlio Mendes questiona a forma correta de analisar o dano extrapatrimonial, após reforma trabalhista.

Direito do Trabalho
Após a reforma trabalhista, o dano extrapatrimonial deve ser analisado pautando-se “apenas” na CLT?
Júlio Mendes

Com o advento da reforma trabalhista, por meio da Lei 13.647/17, a CLT passou a contemplar um novo Título (II-A) para tratar de tema específico: o dano extrapatrimonial. Esse novo Título abarca desde o artigo 223-A até o art. 223-G.

Não obstante a polêmica gerada pelo art. 223-G, no sentido de guardar ou não compatibilidade com a Constituição Federal de 1988, uma vez que prevê a indenização por dano extrapatrimonial de forma tarifada, há outros dispositivos que merecem cautela na sua análise, pois, também suscitam divergência: artigos 223-A e 223-B da CLT.

O teor do art. 223-A estabelece a seguinte regra (grifo acrescido): “Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título”.

Percebe-se pelo termo grifado (apenas) que a sua inserção no dispositivo legal assume conotação de restrição. Por isso, levando em consideração a redação tal como exposta, unicamente os artigos que compõem o Título II-A da CLT é que deverão ser aplicados para dirimir um caso envolvendo dano de natureza extrapatrimonial.

O art. 223-B parece também conter uma restrição na sua parte final. Seu regramento dispõe que (grifo acrescido): “Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação”.

Limitar-se a interpretação e aplicação desse dispositivo legal à literalidade do seu texto significa concluir que tão somente o empregado/prestador de serviço ou o seu empregador/tomador do serviço é que poderá pleitear na Justiça do Trabalho indenização compensatória por dano de natureza extrapatrimonial.

Ilustrativamente, na hipótese de assédio moral no ambiente de trabalho o empregado submetido a essa situação poderá veicular pretensão visando o pagamento de indenização por dano moral (espécie de dano de natureza extrapatrimonial) em razão da violação ao seu direito de personalidade. O empregador também poderá submeter à apreciação da Justiça do Trabalho pretensão indenizatória com o objetivo de compensar o dano moral suportado em razão da violação à imagem da empresa que foi provocada por seu empregado.

Eventuais indagações que podem surgir em razão da redação do art. 223-B em sua parte final são as seguintes: outras pessoas que não tenham relação jurídica de emprego não poderão pleitear indenização na Justiça do Trabalho diante de um dano extrapatrimonial que foi suportado diretamente pelo empregado? A esposa e os filhos de um trabalhador vítima de acidente do trabalho que lhe tenha acarretado a morte, tal como se deu no caso do rompimento da barragem em Brumadinho, não poderão pleitear indenização pelo dano extrapatrimonial?

Diante desse contexto, interpretar o art. 223-B para conferir o direito à compensação por dano extrapatrimonial, exclusivamente, às pessoas (física e jurídica) que mantiveram relação de trabalho (art. 223-A) implica restrição ao instituto da responsabilidade civil e óbice à indenização integral pelo dano acarretado à vítima e aos seus familiares.

Neste passo, analisar o conteúdo dos artigos 223-A e 223-B dessa maneira é adotar o método de interpretação gramatical de forma exclusiva. Este, contudo, não é o único meio disponibilizado pela hermenêutica jurídica. Há outros que devem conjugados a ele, dentre os quais, o método de interpretação sistemática e teleológica.

A interpretação sistemática, no caso em exame, enseja a análise dos artigos 223-A e 223-B da CLT em conjunto com outros dispositivos que compõem a ordem jurídica. Por exemplo, artigos da CF/88 (art. 1º, III e IV; 5º, V e X; 193) e do Código Civil (art. 186, 927, 944, 948, 949, 950, 953, 954) que dizem respeito à responsabilidade civil e à obrigação de indenizar. A interpretação teleológica, por sua vez, tem por objetivo extrair dos dispositivos legais os fins sociais da norma e as exigências do bem comum.

Além disso, sobreleva pontuar que a CLT consiste regramento jurídico situado em patamar legislativo abaixo da Constituição Federal. Por esse motivo, não apenas a CLT, mas qualquer outra lei de estatura infraconstitucional deve ser analisada à luz da CF/88 e não o contrário. O objetivo é avaliar se a lei é compatível com os contornos fixados pela Constituição.

Diante dessa breve contextualização hermenêutica é possível identificar que os termos “apenas” e “exclusivas” inseridos respectivamente na redação dos art. 223-A e 223-B da CLT não devem ser interpretados com o viés de afastar a incidência de outras regras jurídicas dispostas em diplomas normativos diversos da CLT.

Com efeito, além da interpretação gramatical deve-se conjugar, aos artigos 223-A e 223-B do texto consolidado, a interpretação sistemática e teleológica como forma de possibilitar que o exame do tema, atinente ao dano extrapatrimonial, seja feito de forma mais abrangente e com suporte na ordem jurídica com um todo e não apenas em uma única lei que o compõe (CLT).

Por último, seguindo essa diretriz, o operador do Direito, diante de uma situação relacionada ao dano extrapatrimonial na esfera trabalhista, não estará limitado a apenas o que dispõe a CLT sobre o tema. Poderá se valer de outras regras, inclusive e ilustrativamente, para justificar que a indenização não deve ser limitada ao teto equivalente a 50 vezes o salário contratual do ofendido na hipótese de ofensa de natureza gravíssima (CLT, art. 223-G, IV). Afinal, a CF/88 e o Código Civil possuem regramentos convergentes no sentido de que a indenização deve ser mensurada de acordo com a extensão do dano, sem estabelecer limite máximo para tanto.

Partindo desse pressuposto os danos de natureza extrapatrimonial, oriundos da relação de trabalho, poderão ser avaliados de modo a proporcionar uma compensação indenizatória adequada e compatível com o gravame suportado pela vítima ou por seus familiares, caso o trabalhador venha a óbito em razão de atividade exercida ao seu empregador.

Portanto, em que pese a sua existência legislativa, não é recomendável analisar o teor dos artigos 223-A e 223-B da CLT tão somente pela via da interpretação gramatical, nem mesmo cogitar que a sua presença no sistema jurídico se dá de forma isolada dos demais diplomas normativos.

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