
A redução do intervalo intrajornada
Marcelo Mascaro Nascimento
Todo empregado submetido a jornada de trabalho superior a certos parâmetros definidos pela legislação tem direito a um intervalo para descanso e alimentação. De um modo geral, salvo atividades especificas com regras próprias, esse intervalo será de 15 minutos quando a jornada for superior a quatro horas e não excedente a seis horas diárias e de uma a duas horas quando o período de trabalho exceder a seis horas diárias, conforme disposto no artigo 71, caput e § 1º, da CLT.
No caso de jornada diária superior a seis horas, contudo, a legislação permite alguma flexibilização sobre o período de intervalo intrajornada. Primeiramente, o § 3º do referido artigo 71 prevê que “o limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a horas suplementares”.
O disposto, portanto, permite intervalo inferior a uma hora desde que preenchidas duas condições: 1) existência de autorização do Ministério do Trabalho e 2) não estar o empregado submetido ao cumprimento de horas extras.
Outra possibilidade de alteração do limite previsto em lei de intervalo intrajornada está no § 5º, do artigo 71 da CLT, segundo o qual “O intervalo expresso no caput poderá ser reduzido e/ou fracionado, e aquele estabelecido no § 1o poderá ser fracionado, quando compreendidos entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais de trabalho a que são submetidos estritamente os motoristas, cobradores, fiscalização de campo e afins nos serviços de operação de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de passageiros, mantida a remuneração e concedidos intervalos para descanso menores ao final de cada viagem”.
É autorizada, portanto, a redução do intervalo se ele for concedido entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última e se previsto em convenção ou acordo coletivo. Além disso, o dispositivo se refere à atividade especifica de motoristas, cobradores e fiscalização de campo nos serviços de operações de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de passageiros.
Por fim, ainda deve ser levantado o artigo 611-A, III, da CLT, que prevê a possibilidade de convenção ou acordo coletivo de trabalho reduzir o intervalo intrajornada, desde que respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas.
Assim, a CLT prevê a possiblidade de redução do intervalo intrajornada por ato do Ministério do Trabalho ou por convenção ou acordo coletivo. Nesse último caso, se voltada para a atividades no setor de transporte coletivo de passageiros ainda possui regras próprias, conforme o artigo 71, § 5º, da CLT.
Não obstante a previsão legal, o item II da súmula 437 do Tribunal Superior do Trabalho entende que “é inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva”.
Por um lado, o entendimento sumular tem fundamento no artigo 71 da CLT. Nesse aspecto cabe considerar que desde a edição da referida súmula, no ano de 2012, a lei 13.103/2015 e a Lei 13.467/2017 promoveram alterações na CLT capazes de alterar esse entendimento, uma vez que a primeira criou normas específicas para a redução do intervalo no setor de transporte coletivo de passageiros, conforme o artigo 71, § 5º, da CLT, e a segunda introduziu o artigo 611-A, III, da CLT, autorizando que negociação coletiva reduza o intervalo para até 30 minutos.
Por outro lado, o entendimento sumular também se fundamenta no artigo 7º, XXII, da Constituição Federal, que assegura aos empregados a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Cabe destacar que, em geral, as normas referentes a jornada de trabalho há muito eram consideradas pela Justiça do Trabalho como normas concernentes à saúde e segurança do trabalhador e, portanto, de ordem pública e não passíveis de alteração por acordo individual ou negociação coletiva.
Esse entendimento jurisprudencial, inclusive, levou a Reforma Trabalhista realizada pela lei 13.467/2017 a introduzir o parágrafo único, do artigo 611-B, segundo o qual regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins de negociação coletiva.
Nesse sentido, em princípio, as autorizações legais previstas na CLT para redução do intervalo intrajornada mediante negociação coletiva não sofreriam restrição por parte do dispositivo constitucional acima mencionado. Não obstante, o item II da Súmula nº 437 do TST ainda não foi revogado e permanece vigente, de onde se pode entender que se mantém o entendimento de que é inconstitucional a redução do intervalo intrajornada por norma coletiva.
Ademais, a questão ainda não foi enfrentada pelo Superior Tribunal Federal, que até o momento, no tocante aos limites da negociação coletiva, ao analisar o tema 1.046 apenas estabeleceu a tese de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
A questão, portanto, está em averiguar a constitucionalidade do artigo 611-B, parágrafo único, da CLT. Caso constitucional ele exclui eventual incompatibilidade do artigo 611-A, III, da CLT, com o artigo 7º, XXII, da Constituição Federal. Se, contudo, inconstitucional, o TST possui fundamento suficiente para manter o entendimento previsto no item II, de sua Súmula nº 437.
Ainda não há, porém, declaração de inconstitucionalidade do dispositivo e em razão de toda norma submetida ao correto procedimento legislativo possuir presunção de constitucionalidade o parágrafo único do artigo 611-B da CLT permanece vigente.
A jurisprudência, por sua vez, parece estar acompanhando o entendimento pela possibilidade de norma coletiva reduzir o intervalor intrajornada por até 30 minutos, como pode se observar na seguinte decisão da primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:
“No entanto, a partir de 11/11/2017, data de vigência da Lei nº 13.467/2017, não há que se falar em violação de direitos indisponíveis no caso, uma vez que o art. 611-A, III da CLT, incluído com a Reforma, autoriza a negociação coletiva do intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas.
Sobre a validade da norma coletiva, anoto que o Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 1121633 (Tema 1046) decidiu que são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.”
Diante do exposto, concluímos pela possibilidade de redução do intervalo intrajornada, mediante negociação coletiva, por até 30 minutos quando o empregado estiver submetido a jornada diária superior a seis horas. Nesse sentido, a partir da entrada em vigor da Reforma Trabalhistas não se pode falar em aplicação do item II, da Súmula nº 437 do TST. Por fim, ressaltamos que eventual futura declaração de inconstitucionalidade do artigo 611-B, parágrafo único, da CLT poderá fazer incidir novamente o entendimento previsto na referida súmula.