artigos - 24/01/2024

Cargo de confiança: como a empresa pode identificar sua existência ou não

Marcelo Mascaro

Praticamente não existe empresa que não possua cargo de confiança. Toda função desempenhada pelos empregados de uma corporação pressupõe algum grau de confiança, afinal não se supõe que o empregador irá contratar alguém em que não confia que ira ao menos executar suas tarefas com correção.

Existem, contudo, funções que exigem grau de confiança maior. Também conhecidas como cargo de gestão, essas funções são desempenhadas, conforme o artigo 62, II, da CLT, geralmente por gerentes, diretores e chefes de departamento ou filial.

Elas se caracterizam por possuírem poder de mando e poder de gestão. Desde que seu exercente receba remuneração ao menos 40% superior ao do cargo efetivo não estará sujeito ao controle de jornada.

Na prática das relações de trabalho, porém, existem funções que podem gerar alguma dúvida sobre o verdadeiro exercício de cargo de gestão. São comuns na Justiça do Trabalho ações contendo pedidos de sua descaracterização, muitas vezes julgados procedentes. A equivocada definição de um cargo como de confiança tem como consequência para o empregador o surgimento de expressivo passivo trabalhista. Isso pode ser evitado com planejamento e análise especializada do quadro de empregados da empresa e suas reais funções.

A seguir abordamos alguns pontos capazes de contribuir para que não se corra o risco de ter um cargo de confiança descaracterizado pela Justiça do Trabalho.

O que é o cargo de confiança

Cargo de confiança é aquele no qual o empregado ocupa uma posição hierárquica elevada na empresa e sobre quem o empregador deposita grau de confiança especial. A CLT prevê que são ocupantes dessa posição os gerentes, diretores e chefes de departamento ou filial. Porém, mais do que a nomenclatura que se dá a esses empregados, o que importa são suas reais atribuições na organização da empresa.

Assim, empregados em cargo de confiança são aqueles que exercem função de gestão na empresa e não simples cumpridores de ordens. Ao empregado em cargo de confiança são transferidas parte das atribuições que são típicas do empregador. De forma oposta, funções simplesmente técnicas, por mais especializadas que sejam, não configuram cargo de confiança. Também, poder de gestão na empresa não se confunde com mero poder administrativo, uma vez que esse último não possui verdadeira liberdade de decisão.

Todo trabalhador possui algum grau de independência para executar suas tarefas, mas aquele que exerce cargo de confiança possui poderes de gestão típicos do empregador. Sua independência não está apenas na execução de suas tarefas, mas corresponde ao poder de praticar atos que são próprios do empregador.

Algumas atividades econômicas, ainda, possuem ampliada a definição do cargo de confiança. Exemplo disso são os bancários, que também têm abrangidas as funções de fiscalização como pertencentes à categoria do cargo de confiança.

Peculiaridades do cargo de gestão

Diante da maior responsabilidade do cargo e de sua elevada posição na hierarquia da empresa, o cargo de confiança possui, além do poder de gestão e de mando, certas peculiaridades em relação às demais funções na corporação. São eles a ausência de controle de horário e o recebimento de gratificação de função.

Além disso, o empregado que exerce função de gestão na empresa e, assim, ocupa cargo de confiança deve ter anotada essa condição em sua carteira de trabalho.

Controle de horário

Como consequência das características próprias do cargo de confiança, o empregado nessa condição, uma vez que exerce parte dos poderes próprios do empregador, não está sujeito a controle de horário.

Assim, mesmo que ele ultrapasse o limite diário de oito horas trabalhadas não terá direito ao recebimento de horas extras. Em realidade, a condição do cargo ocupado confere a ele maior liberdade de trabalho e flexibilidade nos horários de entrada e saída na empresa.

Gratificação de função

Em compensação à maior responsabilidade da função o empregado em cargo de confiança necessariamente deverá haver um acréscimo salarial de ao menos 40% sobre o salário efetivo, que poderá ou não receber a denominação de gratificação de função. Assim, se já empregado da empresa e promovido ao cargo de confiança, terá o referido acréscimo ao valor anteriormente recebido como salário. Se, porém, já foi contratado diretamente para o cargo de confiança, a diferença salarial de ao menos 40% será feita em comparação ao salário do cargo imediatamente abaixo e a ele subordinado. Já em relação ao bancário, basta um acréscimo salarial de 1/3.

Como reconhecer um cargo de confiança

A simples denominação de cargo de confiança à função ocupada por determinado empregado ou mesmo atribuir a ele cargos de gerente, direção ou chefia não são suficientes para caracterizá-lo como exercente de verdadeira função de gestão. A nomenclatura do cargo pouco importa. O relevante será suas reais atribuições.

É preciso que na prática de fato seja exercido poderes próprios do empregador que o caracterizam como um cargo de confiança. Para auxiliar nessa análise, elencamos algumas atribuições, não necessariamente cumulativas, que ajudam na caracterização do cargo de confiança, além da falta de controle de horário e do acréscimo salarial. São elas:

– possuir subordinados e se reportar diretamente à diretoria (desnecessário que os subordinados tenham sido contratados diretamente pelo exercente do cargo de confiança)[1];

– autonomia para elaborar orçamentos e realizar compras sem autorização superior e quando essas compras geram grande impacto na empresa[2];

– autonomia administrativa;

– poder de demitir, admitir e advertir subordinados, sem consulta prévia ao empregador, respeitando-se apenas alguma diretriz geral;

– representação da empresa perante terceiros;

– exercício de atividades comerciais, como contrair despesas e trato com clientes e fornecedores;

– responsabilidade pelos atos de gestão e

– tratamento direto com autoridades administrativas e de fiscalização do trabalho, vigilância sanitária e autoridades judiciais.

Essas são apenas algumas das características que podem ser encontradas no cargo de confiança, mas cada caso particular exige uma análise personalizada. Tudo deverá ser analisado dentro do contexto empresarial. Uma única dessas características isoladas em muitos dos casos poderá não ser suficiente para se concluir pelo cargo de gestão, enquanto que em outras situações será.

Outros poderes, por sua vez, tendem a não caracterizar o cargo de confiança. Alguns exemplos são:

– subordinação constante ao empregador, mediante cumprimento de ordens específicas e frequentes;

– pouca margem para efetuar gastos e realizar compras, quando sua função exigir esse tipo de atividade;

– restrição ao contato com clientes e fornecedores e


[1] RR-147700-18.1999.5.02.0039, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 28/06/2010.

[2] AIRR-389-58.2015.5.06.0101, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 30/06/2017.



Dr. Marcelo Mascaro

Advogado do Trabalho, CTO

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