Geolocalização na esfera processual: busca da verdade x privacidade
O uso de dados de geolocalização em processos trabalhistas é um tema que tem gerado posicionamentos divergentes no âmbito processual.
Haja vista às novas tecnologias o Direito precisa se adaptar a elas ao mesmo tempo em que se faz necessário proteger direitos fundamentais.
Imagine a seguinte situação: um trabalhador entra na justiça contra seu ex-empregador, alegando a realização de horas extras que não foram pagas. O empregador, para se defender, pede que a Justiça acesse os dados de geolocalização do trabalhador, para verificar se ele realmente estava no local de trabalho nos horários alegados.
Apesar de a situação jurídica parecer simples o debate se acentua quando se observa que a questão envolve a colisão de dois princípios importantes previstos na Constituição: a busca pela verdade no processo, que inclui o direito à ampla defesa, exigindo que a Justiça descubra o que realmente aconteceu e permitindo que as partes usem meios de prova válidos (para o empregador, a geolocalização pode mostrar se o empregado estava no local alegado); e o direito à privacidade e à intimidade do trabalhador, fazendo com que a ideia de ter dados de localização acessados pareça uma invasão à esfera pessoal e privada do empregado.
Diante desse cenário é possível identificar a existência de decisões divergentes sobre o assunto.
Há posicionamento no sentido de que a geolocalização pode ser utilizada com cautela na busca da verdade processual. Há também suporte na “paridade de armas”, onde se o empregado pode usar provas, o empregador também deveria ter essa ferramenta de defesa, garantindo equilíbrio. Ademais, a busca deve ser limitada apenas aos dias e horários alegados como de trabalho e o processo deve tramitar em segredo de justiça. Dessa forma, a invasão à privacidade é minimizada e se torna proporcional ao objetivo da verdade real.
Em contrapartida, há decisões nas quais se observa uma visão mais protetiva acerca da privacidade, ao enfatizar que a privacidade é um direito fundamental, e o acesso a dados de localização implica a identificação de dado sensível, revelando hábitos e rotinas. Outro ponto é o dever do empregador, já que a lei exige que ele realize o controle da jornada de trabalho, e se não o faz, não pode depois tentar suprir essa falha com uma prova que se revela invasiva (geolocalização) à esfera privada do trabalhador. Argumentam também que outras provas podem ser suficientes, pois em muitos casos a verdade sobre a jornada pode ser descoberta por meios menos invasivos, como a prova testemunhal.
Diante dessas visões, é importante que a Justiça do Trabalho realize uma “ponderação” ou “balanceamento” dos princípios envolvidos. Para isso, é preciso analisar, pelo menos, três pontos: primeiro, a adequação, ou seja, se a prova de geolocalização é realmente útil para o que se quer provar (como a jornada de trabalho); segundo, a necessidade, verificando se é a única forma de obter a informação ou se existe uma prova menos invasiva que possa chegar ao mesmo resultado; e terceiro, a proporcionalidade, avaliando se o benefício de usar essa prova (descobrir a verdade) é maior do que o custo para a privacidade do trabalhador.
Portanto, não existe um posicionamento único e pacificado sobre o assunto. De toda forma é possível observar que a Justiça do Trabalho tem buscado em algumas decisões encontrar um ponto de equilíbrio, pois se a geolocalização é uma ferramenta tecnológica que pode ajudar a trazer a verdade à tona, ela também esbarra em um direito delicado: a privacidade. Por isso, quando o tema surge, a análise é feita de forma individualizada buscando a concretização da justiça sem abrir mão da proteção dos direitos fundamentais.
