artigos - 28/02/2024

Gestão de riscos trabalhistas em ambientes corporativos

Marcelo Mascaro Nascimento

A gestão de riscos trabalhistas em ambientes corporativos consiste na adoção de regras, práticas e políticas internas na gestão dos recursos humanos, que buscam reduzir os riscos trabalhistas. Considera-se risco trabalhista, por sua vez, a potencialidade de resultado econômico negativo à empresa decorrente da violação à legislação do trabalho. Esses resultados negativos têm diversas origens. As mais comuns são ações judiciais, individuais e coletiva, autuações realizadas por Auditor-Fiscal do Trabalho e descumprimento de convenções e acordos coletivos.

Ao pensarmos em gestão de riscos trabalhistas é comum que, em um primeiro momento, ele seja entendido como a mera conformidade das práticas da empresa às normas trabalhistas. Embora em boa medida a gestão passe por isso, ela não se resume a ela. Isso porque mesmo quando a empresa segue as normas do Direito do Trabalho, existem riscos envolvidos, seja por fatores internos ou externos.

Assim, o gerenciamento de riscos busca reduzir os efeitos potencialmente danosos dos riscos à corporação. Ao identificá-los e analisá-los, permite que a empresa tome consciência dos riscos existentes e de seus impactos e permite que os mitigue ou assuma riscos calculados, aumentando a previsibilidade de suas atividades. Nesse sentido, a gestão de riscos é uma importante ferramenta para proteger os ativos da organização.

Neste artigo pretendemos demonstrar, com o auxílio de um exemplo a ser explorado, como a gestão de risco trabalhista envolve diversas facetas e não se esgota na simples avaliação da conformidade das práticas da empresa às normas trabalhistas.

Fases da gestão de riscos trabalhistas

Não existe uma forma única de promover a gestão de riscos trabalhistas, mas geralmente ela passa por algumas etapas. A primeira é o diagnóstico ou identificação. Nela é examinado, por um lado, se as práticas da empresa estão em conformidade com a legislação trabalhista, clarificando onde estão eventuais falhas ou desvios de conduta.

Por outro, o cumprimento das normas legais não elimina por completo os riscos trabalhistas, uma vez que em eventual reclamação trabalhistas, muitas das provas devem ser produzidas pelo empregador. Por isso, o diagnóstico dos riscos trabalhistas também envolve a identificação dos meios de prova que a empresa produz para demonstrar judicialmente a conformidade de suas práticas à legislação.

Cabe observar que, de um modo geral, os riscos podem ser de origem externa ou interna. Os primeiros ocorrem independentemente da corporação. Podemos exemplificar com uma mudança legislativa ou de entendimento jurisprudencial. Já os internos são decorrentes das práticas e rotinas da empresa.

Além disso, a fase de identificação dos riscos permite entender quais são os riscos trabalhistas existentes na corporação. Podemos classificá-los em três tipos. O primeiro são os gerais, que há em qualquer relação de trabalho, por exemplo, o risco de se manter um empregado sem registro em carteira.

Também existem os riscos específicos, que surgem das condições peculiares da atividade praticada pela empresa. Essa categoria pode ser bastante ampla e envolve, por exemplo, condições especiais de jornada de trabalho, normas sobre segurança e saúde no trabalho, respeito a cláusulas de convenções e acordos coletivos, entre muitas outras.

O terceiro são os riscos contingenciais, que surgem de forma inesperada a partir da dinâmica e rotina da empresa. Pode ser um risco contingencial, por exemplo, a ocorrência de um acidente do trabalho ou da prática de assédio moral. Embora mais difíceis de identifica-los a empresa pode criar mecanismos de mitigação ou de reações imediatas ao surgimento do risco, como canais de denúncia.

Após a identificação dos riscos, eles são classificados conforme a probabilidade de acontecimento e o grau de impacto do passivo trabalhista. Algumas metodologias podem ser utilizadas para tanto. A estimativa da probabilidade de acontecimento, por exemplo, pode aproveitar-se do histórico de reclamações trabalhistas da empresa, comparado com o seu quadro de empregados. Também, a jurisprudência e as decisões nas esferas administrativas sobre cada um dos temas auxiliam no dimensionamento da probabilidade de ocorrência do risco. Ainda, outro fator a ser levado em consideração é a capacidade de a empresa provar suas alegações.

O grau de impacto do passivo trabalhista, por sua vez, em muitos dos casos terá considerável precisão, principalmente quando decorrer de simples cálculos, por exemplo, se o risco for resultante da supressão de férias ou 13º salários. Em outros casos, embora a mensuração do passivo trabalhista decorra de cálculos aritméticos, sua precisão será menos apurada por também depender de outros fatores. É o caso das horas extras não pagas, que dependerão em alguma medida das provas produzidas em processo judicial para sua estimativa. Por fim, existem hipóteses em que o cálculo do passivo trabalhista não pode ser realizado a partir de resultados aritméticos e, dessa forma, possui menos precisão. Ainda assim é possível fazer uma estimativa a partir de um patamar de valores adquiridos da análise jurisprudencial sobre o tema, em que o risco pode flutuar dentro dos limites desse patamar. É o que ocorre, por exemplo, em relação às condenações por dano moral.

Após a mensuração da probabilidade de ocorrência dos riscos e de seus impactos, passa-se ao tratamento ou reação aos riscos, mediante seu acompanhamento, mitigação, plano de contingência, plano de redução e melhoras de rotinas trabalhistas.

Por fim, a empresa ainda deve criar uma rotina de revisão dos riscos, em que serão avaliadas a eficácia das medidas tomadas e o surgimento de novas situações ou a modificação das anteriores, assim como será estabelecida uma política permanente de gerenciamento de riscos.

Um exemplo

A fim de ilustrar as diversas facetas que a gestão de riscos trabalhistas pode assumir, iremos propor um exemplo hipotético que irá analisar a questão da equiparação salarial em uma corporação.

É a lei que define quais são as condições consideradas relevantes para fins da equiparação salarial. Nesse sentido, o artigo 461 da CLT estabelece os requisitos indispensáveis para que seja devido o mesmo salário a diferentes empregados.

São eles: 1) exercerem a mesma função; 2) prestarem o serviço para o mesmo empregador; 3) trabalharem no mesmo estabelecimento empresarial; 4) executarem trabalho de igual valor; 5) não haver diferença de tempo de serviço superior a quatro anos na empresa e superior a dois anos na mesma função; 6) não haver quadro de carreira na empresa e não ser adotado, mediante norma interna ou negociação coletiva, plano de cargos e salários e 7) um dos trabalhadores não ter sido readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental.

Imagine-se, assim, que na fase de identificação dos riscos trabalhistas de uma empresa, após ser feito um mapeamento dos cargos, funções e salários constatou-se a seguinte situação:

TrabalhadorCargoFunção de fatoTempo na função e na empresaSalário
AOperador de Máquina IOperação de máquina1 ano e 1 anoR$ 2.000
BOperador de Máquina IOperação de máquina3,5 anos e 3,5 anosR$ 2.500
COperador de Máquina IOperação de máquina2 anos e 2 anosR$ 2.000
DOperador de Máquina IOperação de máquina4,5 anos e 4,5 anosR$ 2.500
EOperador de Máquina IIOperação de máquina1 ano e 7 anosR$ 3.000
FOperador de Máquina IIOperação e conserto de máquina2 anos e 7 anosR$ 3.000

Considerando a inexistência de quadro de carreira ou plano de cargos e salários na empresa, de antemão são identificados os seguintes riscos trabalhistas.

  1. Equiparação do salário do trabalhador C ao do trabalhador B por exercerem a mesma função e não haver diferença de tempo de serviço superior a quatro anos na empresa e superior a dois anos na função;
  2. Equiparação do salário do trabalhador D ao do trabalhador E por exercerem a mesma função de fato, embora nominalmente ocuparem cargos distintos, e não haver diferença de tempo de serviço superior a quatro anos na empresa e superior a dois anos na função de fato.

Imaginemos, agora, que a empresa justifique a diferença salarial entre os trabalhadores B e C na maior produtividade daquele. Sabe-se que a maior produtividade é um dos elementos que afasta a equiparação salarial e o maior salário recebido pelo trabalhador B decorreria de ele ser capaz de produzir maior quantidade de determinada mercadoria do que o trabalhador C.

Suponhamos, contudo, que para provar tal fato a corporação disponha somente do testemunho do supervisor de tais trabalhadores, que avalia o desempenho deles, mas não possui critérios objetivos para tanto. Nota-se nesse caso que a prova a ser utilizada pela empresa é frágil e poderá ter pouco peso na avaliação do magistrado, levando a corporação à condenação.

Identificados os riscos, passa-se a classificar sua probabilidade de ocorrência e seu impacto no passivo trabalhista. Diante da situação proposta, encontramos dois riscos trabalhistas: o da equiparação entre os trabalhadores C e B e entre D e E. Nesse último caso, se ajuizada reclamação trabalhista, pode-se considerar haver probabilidade muito alta de a empresa ser condenada, enquanto que naquele, considerando a existência de uma prova frágil da diferença de produtividade, podemos considerar a probabilidade de condenação entre media e alta, a depender do caso concreto.

Já o impacto de eventuais condenações no passivo trabalhista da corporação é de fácil mensuração, bastando para isso o cálculo das diferenças salariais entre os trabalhadores durante o período correspondente.

Após essa análise, passa-se a sugestões de medidas para a mitigação dos riscos. No caso dos trabalhadores D e E de fato a prática da empresa está em desconformidade com a legislação. A corporação poderá corrigir a diferença salarial, atribuir ao trabalhador E de fato as atribuições do cargo de operador de máquinas II ou aceitar o risco.

Já em relação aos trabalhadores B e C apesar de a diferença salarial estar em conformidade com a legislação foi encontrado significativo risco decorrente da ausência de procedimentos internos da corporação capazes de aferir com precisão a diferença de produtividade entre os trabalhadores. Assim, o risco pode ser diminuído significativamente mediante a criação de procedimentos internos, que gerem documentos capazes de medir a partir de critérios objetivos a produtividade de cada trabalhador. O documento, ainda, terá maior credibilidade se ratificado pelo próprio trabalhador.

Com esse exemplo notamos que os riscos trabalhistas surgem não apenas quando há violação da legislação, mas também de falhas de procedimentos internos da corporação. Além disso, aqui analisamos apenas uma faceta da gestão de riscos trabalhistas. Muitos outros elementos ainda podem e devem ser examinados. Apenas para ficarmos na situação hipotética acima, a análise também poderia recair sobre as teses jurídicas utilizadas pela empresa nas reclamações trabalhistas já existentes e sobre suas estratégias processuais. Ou, ainda, avaliar o risco de a empresa sofrer inquérito civil pelo Ministério Público do Trabalho com possível ajuizamento de ação civil pública. Enfim, a gestão de riscos trabalhistas envolve uma complexa análise de diversos fatores.



Dr. Marcelo Mascaro

Advogado do Trabalho, CTO

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