artigos - 03/11/2022

O impacto do piso nacional dos enfermeiros

Dr. Hélio Zylberstajn – Professor Sênior da FEA/USP

A Lei Nº 14.434, de 4 agosto último, estabeleceu o valor de R$4.750 para o piso nacional dos enfermeiros, valido tanto para o regime da CLT como para os contratados como funcionários públicos nos três níveis da administração. A mesma lei fixou o valor de 70% do piso dos enfermeiros para o piso dos técnicos de enfermagem e de 50% para o piso dos auxiliares de enfermagem e parteiras.

A adoção do piso tem provocado um grande debate envolvendo hospitais e clínicas privados e os governos estaduais e municipais, devido ao possível impacto nos custos de operação dos serviços de saúde. Os dois grupos estimam o impacto conjunto na casa de 20 bilhões de Reais. O piso despertou também o velho debate sobre o tema mais geral da intervenção do Estado na economia e mais particularmente no mercado de trabalho.

Os setores afetados argumentam que terão dificuldades para cobrir a elevação nos custos e lembram que, se não puderem repassar aos preços (setor privado) ou serem compensados nas transferências (setor público), terão que reduzir a atividade e o quadro de empregados. A Confederação Nacional da Saúde (patronal) ingressou com ação no STF, solicitando a suspensão do piso, pedido acatado pelo ministro Luis Roberto Barroso, que concedeu prazo de 60 dias para esclarecer o impacto financeiro da medida.

Afinal, o piso de R$4.750 é exagerado ou justo? Causará tanto dano assim, como argumentam os operadores dos serviços de saúde? Ou será mais relevante reconhecer o trabalho e os interesses dos profissionais da saúde, concedendo-lhes o piso que pretendem? Vejamos se os números podem esclarecer o assunto tão controverso.

Para simplificar, vamos concentrar a análise no caso dos enfermeiros. Deixaremos os técnicos de enfermagem, os auxiliares de enfermagem e as parteiras para outra ocasião. Na Tabela 1, os dados da RAIS/2020 (a última disponível), mostram que, naquele ano, havia 353.734 enfermeiros contratados formalmente, seja via CLT, seja via funcionalismo público. Seu salário médio na época era R$4.981, valor que, inflacionado pelo INPC para julho/2022, chegaria hoje a R$5.743, e ficaria 21% maior que o piso pretendido pela categoria. A distância seria muito pequena e poucos enfermeiros teriam remuneração abaixo da atual remuneração média do grupo. Seria possível chegar a esse cenário?

Para lançar mais luz sobre a questão, vamos agora usar o Salário Mínimo nacional e comparar do caso dos enfermeiros.com o mercado de trabalho brasileiro como um todo. A Tabela 2 apresenta os resultados da simulação que nos leva a essa comparação.

Há, no Brasil, 45 milhões de empregados formais (contratados via CLT ou funcionários públicos estatutários – linha 1). Seu salário médio é R$2.975 (linha 2), que supera o Salário Mínimo (linha 3) em 145%, ou seja, é 2,45 vezes maior que o Salário Mínimo (linha 4). Lembrando da Tabela 1, o salário médio dos enfermeiros é 21% maior que o Piso estabelecido pela Lei 14.434 (linha 5). Agora, vamos à simulação do exercício comparativo, elevando o Salário Mínimo de tal forma que o salário médio atual fosse 21% maior que esse Salario Mínimo simulado. Esse valor simulado teria que ser R$2.350 (linha 6), ou seja, teríamos que aumentar o Salário Mínimo 94% (linha 7). Um aumento repentino de 94% no Salário Mínimo levaria as empresas a adotar uma das três possíveis condutas: (a) redução no quadro, (b) informalização dos contratos de trabalho, ou (c) aumento nos salários para cumprir o piso e repasse aos preços. Provavelmente, as três condutas seriam adotadas por diferentes empresas, resultando em uma desorganização do mercado de trabalho.

A instituição do piso dos enfermeiros poderia provocar desorganização semelhante, pois muitos enfermeiros têm salários abaixo do nível estabelecido na Lei 14.434. A Tabela 3 e os Gráficos 1 e 2 trazem alguns dados adicionais para a discussão. A Tabela 3 e o Gráfico 1 mostram os enfermeiros trabalham predominantemente em jornadas de 31 a 40 horas (59,9%) ou 41 a 44 horas (20,3%), totalizando 80,2% dos trabalhadores (linhas 1 e 2).

A Tabela 3 mostra também o salário médio de 2020 (linha 3) e os respectivos valores inflacionados pelo INPC para julho último (linha 4). Além disso, mostra o valor do piso ajustado às respectivas jornadas (linha 5)1 e, finalmente, a relação entre o salário médio/piso nacional, em cada jornada (linha 6, também exibida no Gráfico 2). Nas jornadas de até 30 horas semanais, que são as menos frequentes e representam no conjunto apenas 19,6% dos enfermeiros, o salário médio é bastante superior ao piso proposto. Isso indica que o piso terá pouca relevância e seu impacto para este subconjunto de enfermeiros será reduzido. O mesmo não ocorre, porém, para os 80,2% dos enfermeiros que trabalham mais de 30 horas por semana. Nestes casos, o salário médio é pouco maior que o piso: 37% maior (jornada de 31 a 40 horas) e 14% maior (jornada de 40 a 44 horas). Os dados mostram que há uma grande quantidade de enfermeiros com salários bem menores que o piso pretendido. A imposição do piso de R$4.750 certamente terá um impacto no mercado de trabalho dos enfermeiros semelhante ao de um hipotético aumento do Salário Mínimo na magnitude discutida acima sobre o mercado de trabalho nacional.

Professor Sênior da FEA/USP e Coordenador do Salariômetro da Fipe

1 Assumimos que o valor de R$4.750 do Piso dos enfermeiros se refere à jornada de 44 horas, analogamente ao tratamento do Salário Mínimo. Ajustamos o valor do piso proporcionalmente à cada uma das jornadas apresentadas pela RAIS, tomando como base a quantidade de horas do limite superior de cada jornada.



Dr. Marcelo Mascaro

Advogado do Trabalho, CTO

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