artigos - 20/11/2023

O ressurgimento da contribuição assistencial: panorama jurídico e aspectos práticos

Marcelo Mascaro Nascimento

Em recente decisão o Supremo Tribunal Federal reavaliou sua posição sobre a cobrança de contribuição assistencial as pessoas não filiadas ao sindicato. A mudança de entendimento é paradigmática e representa grande impacto na vida sindical e para trabalhadores e empregadores. Pretendemos abordar a forma como essa mudança ocorreu e os motivos que a fundamentaram e levantar algumas dúvidas prática sobre a operacionalização da decisão do Supremo.

Estrutura sindical brasileira: um modelo híbrido

A atual estrutura sindical brasileira é um modelo híbrido em que características do modelo corporativista de Estado convivem com elementos de liberdade sindical. Durante o Estado Novo, sobretudo a partir da Constituição federal de 1937, consolidou-se o modelo sindical brasileiro definido pela unicidade sindical e pelo reconhecimento dos efeitos das negociações coletivas a todos os membros de determinada categoria profissional e econômica.

O modelo se insere em um contexto corporativista em que os sindicatos são tratados como órgão de colaboração do Estado. A autonomia das entidades sindicais é suprimida e elas se tornam extensão do Estado, que as utiliza para implementar sua agenda política. Para tanto há forte intervenção estatal na vida dos sindicatos, por exemplo, mediante a possibilidade de ingerência sobre os dirigentes sindicais.

Nesse projeto, a atividade econômica é fragmentada em segmentos denominados categorias econômicas com correspondência com uma categoria profissional. Dentro de uma mesma delimitação geográfica, o que se chama base territorial, admite-se apenas um sindicato que represente determinada categoria. Além de possuir o monopólio da representação, as convenções e acordo coletivos firmadas por esse sindicato possuem efeito sobre todos os membros da categoria, independentemente de filiação sindical. Com isso, o Estado, que possui grande ingerência na administração sindical, consegue exercer certo controle sobre as relações de trabalho que envolvem todos aqueles que participam de alguma categoria econômica ou profissional.

Para financiar toda essa estrutura foi criado o imposto sindical. Essa contribuição obrigatória, de natureza tributária, foi instituída com a finalidade de financiar as atividades sindicais e era devida por todos os integrantes da categoria econômica ou profissional, ainda que não filiados à entidade sindical.

Após cerca de meio século sem mudanças significativas nessa estrutura, a Constituição Federal de 1988 rompeu em parte com ela. Foram introduzidos elementos de liberdade sindical, porém algumas características corporativistas permaneceram presentes. A liberdade de administração sindical foi amplamente contemplada pela nova Carta, de modo que todo e qualquer dispositivo da legislação infraconstitucional que permitisse alguma ingerência estatal na administração da entidade sindical não foi recepcionado.

A unicidade, porém, foram preservadas pela atual Constituição, uma das razões pela qual o Brasil ainda não ratificou a Convenção nº 87 da OIT sobre liberdade sindical. Ademais, dispositivos celetistas que preveem a extensão dos efeitos das convenções e acordos coletivos a todos os membros da categoria e o imposto sindical permaneceram vigentes.

Reforma trabalhista e o impacto nos sindicatos

Desde a Constituição Federal de 1988 a Lei n.º 13.467/2017, apelidada de Reforma Trabalhista, foi a que gerou maior impacto no mundo sindical. Duas frentes podem ser observadas. Uma cujo objetivo é ampliar a negociação coletiva. Nesse sentido, cabe destaque aos artigos 611-A e 611-B da CLT, que delimitam as matérias passíveis de serem negociadas coletivamente, inclusive com a redução de direitos. O objetivo claro foi o de estabelecer a prevalência do negociado sobre o legislado, desde que respeitado certo limite.

A constitucionalidade da norma foi questionada no STF, mediante o Recurso Extraordinário com Agravo 1121633, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.046), principalmente sob o argumento de que direitos trabalhistas não poderiam ser reduzidos por norma coletiva.

Em 02/06/2022, a ação foi julgada e foi fixada a tese de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

A outra mudança de destaque diz respeito ao imposto sindical ou contribuição sindical obrigatória. Foram alterados os artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT, o que resultou no fim da obrigatoriedade da contribuição sindical a todos os trabalhadores da categoria, independentemente de filiação ao sindicato.

A constitucionalidade das normas foi questionada em 20 ações de controle concentrado e julgadas em conjunto pelo STF, em 29/06/2018, tendo sido declarada sua constitucionalidade, principalmente, sob o fundamento de que a obrigatoriedade da contribuição violaria a liberdade sindical.

O fim da contribuição sindical obrigatória provocou imenso impacto nos sindicatos, uma vez que ele constituía sua principal fonte de custeio, exigindo dessas entidades a busca por fontes alternativas de receita.

Formas de financiamento sindical

Ao lado da contribuição sindical obrigatória coexistiam como formas de receita aos sindicatos outras três: a contribuição confederativa, a assistencial e a associativa.

A contribuição confederativa está prevista no art. 8º, IV, da CF, e é destinada ao custeio do sistema confederativo. Ela não possui natureza tributária e somente é exigível daqueles que são filiados ao sindicato, conforme entendimento da Súmula Vinculante nº 40.

A contribuição assistencial, por sua vez, tem como intuito financiar as atividades assistenciais do sindicato, tal como as negociações coletivas. Seu fundamento jurídico está no art. 513, e, da CLT e também não possui natureza tributária. Ela é prevista nas próprias convenções e acordos coletivos resultantes da negociação coletiva.

A jurisprudência vinha entendendo que essa contribuição é devida apenas pelos associados do sindicato. Esta posição era fundamentada pelos arts. 5º, XX, e 8º, V, ambos da Constituição Federal de 1988, que dispõem de forma genérica que ninguém é obrigado a associar-se ou a manter-se associado a qualquer entidade. Ademais, o Precedente Normativo 119 do Tribunal Superior do Trabalho exclui a obrigatoriedade da contribuição, o que também era seguido pelo STF.

Por fim, a contribuição associativa é fixada no estatuto do sindicato e é cobrada em função dos benefícios prestados pela organização sindical aos seus associados. É devida apenas pelos associados.

Observa-se, assim, que toda contribuição, com exceção do imposto sindical, conforme a jurisprudência dominante, somente era exigível dos filiados ao sindicato. Esse entendimento, inclusive, está expresso de forma bastante clara na OJ nº 17, da SDC do TST.

O enfraquecimento da atividade sindical e a redução das negociações coletivas

A supressão da principal receita dos sindicatos, contudo, trouxe um efeito indesejável. Foi nítida a intenção da Reforma Trabalhista em ampliar e incentivar a negociação coletiva, inclusive ao trazer para o campo normativo o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. Não obstante, verificou-se no período após a entrada em vigor da reforma a redução da quantidade de instrumentos coletivos.

Conforme dados do Ministério do Trabalho, nos anos de 2016 e 2015, imediatamente anteriores à entrada em vigor da Lei n.º 13.467/2017, foram registradas, respectivamente, 45.807 e 43.946 convenções e acordos coletivos em todo o território nacional.

Já no ano seguinte à reforma, em 2018, esse número caiu para 38.274 registros e desde então a maior quantidade de convenções e acordos coletivos registrados em um mesmo ano se deu em 2019 com 39.278 registros.

O fim da contribuição sindical obrigatória, aliada à manutenção da unicidade sindical e da extensão dos efeitos da negociação coletiva a todos os que pertencem à categoria, ceifou os sindicatos de suas fontes de receita, o que enfraqueceu essas entidades e repercutiu na negociação coletiva.

O fato de o trabalhador ser beneficiado por acordos e convenções coletivas independentemente de filiação sindical é um desestimula à associação ao sindicato. Resta, assim, poucos recursos aos sindicatos, que somente recebem contribuições de seus filiados.

A nova posição do STF sobre a contribuição assistencial

Recentemente, em 11/09/2023, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 1018459, admitiu a instituição de contribuições assistenciais previstas em convenção ou acordo coletivo a serem impostas a todos os integrantes da categoria, mesmo que não filiados ao sindicato, mas desde que assegurado o direito de oposição.

A decisão mudou a posição que o Tribunal vinha tendo até então sobre o tema. O entendimento era que a contribuição assistencial apenas era devida por aqueles que fossem filiados ao sindicato. Nota-se que a mudança no posicionamento se deu somente em sede de embargos de declaração contra acórdão da sistemática de repercussão geral, de 23/02/2017, em que à época fora reafirmada a jurisprudência da Corte Suprema pela inconstitucionalidade da instituição por convenção ou acordo coletivo de contribuição obrigatória a trabalhadores da categoria não sindicalizados.

A mudança de posicionamento se deu a partir da alteração de voto do Ministro Roberto Barroso, que foi seguido pela maioria dos membros do Supremo. O fundamento para tanto foi o impacto nas receitas dos sindicatos que a Reforma Trabalhista gerou com a exigência de autorização expressa para cobrança da contribuição sindical. O esvaziamento dos sindicatos com a diminuição da representação sindical diante da ausência de recursos foi declarado expressamente como motivo para a mudança de posição.

Dessa forma, a cobrança de contribuição assistencial, assegurado o direito de oposição, foi a solução encontrada como caminho intermediário para a preservação do Sistema Sindicalista e da liberdade de associação. Ao mesmo tempo, ela preserva o intuito da Reforma em valorizar a negociação coletiva, o que tem sido reconhecido pelo STF, por exemplo, em decisão que entendeu pela possibilidade de negociação coletiva afastar direitos trabalhistas previstos em lei, desde que observado o patamar civilizatório mínimo. Nesse sentido, negar o meio de custeio da negociação coletiva significaria esvaziar a possibilidade de sua realização e, portanto, contraditório com a defesa pelo STF da valorização desse instrumento.

A partir dessas premissas foi fixada a seguinte tese: “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.

O exercício do direito de oposição

De início, cabe distinguir o direito de oposição da autorização expressa. O artigo 579 da CLT somente permite a cobrança do imposto sindical mediante autorização expressa do trabalhador, o que significa que sua omissão ou silêncio não autoriza a cobrança da contribuição.

De modo distinto, o direito de oposição exige uma conduta ativa do trabalhador ou da empresa que não queiram ser cobrados. No caso da contribuição assistencial, após definida em convenção ou acordo coletivo, o interessado deverá se manifestar pelo desejo de não contribuir com o sindicato. Caso contrário a cobrança será devida.

É dada, portanto, a oportunidade de o trabalhador ou a empresa se manifestar de forma contrária ao pagamento da contribuição. Não existem regras, porém, sobre como e em qual prazo pode ser exercido o direito de oposição. Geralmente essas regras são definidas pelos próprios sindicatos, que podem facilitá-lo ou dificultá-lo. Possivelmente, empregados e empresas cujos sindicatos somente aceitem a manifestação por escrito e de forma presencial na sede do sindicato e em horários restritos enfrentarão maior dificuldade a exercer seu direito do que aqueles que podem fazê-lo, por exemplo, por meio eletrônico.

Assim, diversas dúvidas surgem quanto ao exercício desse direito. Por exemplo, se será exercido de forma coletiva ou individual, se é feita em assembleia ou de outro modo e, ainda, se deve se direcionada diretamente ao sindicato ou basta fazê-la ao empregador.

Ademais, o exercício do direito de oposição pode ser dificultado com prazos exíguos para exercê-lo ou mediante a falta de informações a serem fornecidas pelo sindicato para que a oposição seja manifesta.

Na ausência de parâmetros legais sobre o direto de omissão, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade surgem como balizas para o seu exercício. Em que pese existir certo grau de subjetividade na aplicação desses princípios, as exigências definidas para o trabalhador ou a empresa manifestar a oposição à contribuição assistencial devem proporcionar reais condições do exercício do direito.

Nesse sentido, é indispensável haver ampla publicidade dos atos necessários à oposição, capazes de atingir os interessados. O prazo, por sua vez, deverá ser suficiente para permitir o exercício do direito.

Já no tocante à necessidade de a oposição ser apresentada presencialmente em estabelecimento do sindicato, entendemos a exigência ser razoável, desde que o local de trabalho esteja na mesma localidade do estabelecimento sindical e que seja oferecido horário alternativo ao de trabalho.

O valor da contribuição assistencial

Por fim, em relação ao valor da contribuição assistencial, tampouco há previsão legal sobre o tema. Em que pese existir liberdade decorrente da autonomia privada coletiva para o estabelecimento dessa quantia e encontrarmos cláusulas que a definem em até 5% ou mais do salário do trabalhador, há decisões judicias que impõe um limite. Nesse sentido, acórdão da SDC do TST limita a contribuição assistencial profissional ao patamar de 50% de um dia de salário por ano.

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Dr. Marcelo Mascaro

Advogado do Trabalho, CTO

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