
O valor do dano moral nas relações de emprego
Dr. Marcelo Mascaro Nascimento – Sócio da Mascaro Nascimento
O dano moral possui previsão na Constituição Federal de forma direta no artigo 5º, V e X. Ele é uma decorrência da proteção jurídica aos direitos da personalidade e à dignidade humana. Nesse sentido, o instituto visa reparar violações à intimidade, à vida, à vida privada, à imagem e à honra da pessoa. Em que pese a indenização decorrente do dano moral não ser capaz propriamente de ressarcir o prejuízo causado à vítima ou de reparar o dano, tal como pode ocorrer no dano material, a fixação de uma quantia em valor monetário contribui para compensar a dor psíquica sofrida pela vítima.
Enquanto o dano material permite facilmente fixar seu valor indenizatório, uma vez que bens materiais possuem valor de mercado, o fato de a indenização por dano moral buscar compensar um sofrimento de natureza psíquica torna a apuração do valor da indenização mais complexa e, por vezes, nutrida da subjetividade daquele que julga.
Apesar disso, historicamente observa-se uma função importante da jurisprudência para fixar parâmetros que contribuem para afastar a arbitrariedade na fixação do valor indenizatório do dano moral. Por um lado, a jurisprudência da Justiça do Trabalho passou a considerar para tanto critérios como o ambiente cultural dos envolvidos, as circunstâncias do caso concreto, o grau de culpa do ofensor, a situação econômica dele e da vítima, a gravidade e a extensão do dano e a função pedagógica da reparação. Por outro, a comparação entre casos semelhantes permitia estabelecer referências de valores para casos futuros, de modo que violações análogas poderiam buscar orientações em outras decisões com vistas a aproximar os valores indenizatórios.
A reforma trabalhista de 2017, por sua vez, inovou no campo da fixação do valor indenizatório do dano moral, que a partir de então recebeu a denominação de dano extrapatrimonial. A introdução na CLT do artigo 223-G não só definiu parâmetros para a valoração da indenização, como criou uma margem de valores sobre os quais o magistrado deve se ater na fixação da reparação.
Nos termos das novas regras o juiz deverá definir o dano como leve, médio, grave ou gravíssimo. Além disso, o salário do ofendido serve como critério para a definição do valor da indenização, conforme a gravidade da ofensa. Se leve, o valor será de até três salários, se média até cinco, se grave ate vinte e se gravíssima até cinquenta.
Já para a definição da gravidade do dano, o legislador estabeleceu os seguintes parâmetros a serem observados pelo magistrado: 1) natureza do bem jurídico tutelado; 2) intensidade do sofrimento ou da humilhação; 3) possibilidade de superação física ou psicológica; 4) reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; 5) extensão e a duração dos efeitos da ofensa; 6) condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; 7) grau de dolo ou culpa; 8) ocorrência de retratação espontânea; 9) esforço efetivo para minimizar a ofensa; 10) perdão, tácito ou expresso; 11) situação social e econômica das partes envolvidas e 12) grau de publicidade da ofensa.
Muito se criticou a delimitação de valores máximos para a valoração da indenização por dano moral. Argumenta-se que o dano deve ser medido pela sua extensão, que varia para cada caso concreto, não sendo possível ao legislador prever seus valores antecipadamente. Ademais, a Constituição Federal assegura a reparação integral do dano. Ao limitar a indenização a um valor previamente estabelecido a lei restringe a norma constitucional, uma vez que cria a possibilidade de não haver sua reparação integral.
Acrescenta-se, ainda, que em nenhum outro ramo do Direito há limitação legal para os valores indenizatórios, o que significaria tratamento desigual entre aqueles que sofrem um dano moral decorrente de uma relação de emprego e os demais cuja ofensa sofrida tem como origem qualquer outra relação jurídica.
Por tais razões foram ajuizadas diversas ações diretas de inconstitucionalidade perante o STF com vistas a questionar a constitucionalidade do artigo 223-G da CLT. Até o momento, somente o Ministro Relator Gilmar Mendes proferiu voto. Em seu entendimento:
“os critérios de quantificação de reparação por dano extrapatrimonial previstos no art. 223-G, caput e § 1º, da CLT deverão ser observados pelo julgador como critérios orientativos de fundamentação da decisão judicial. É constitucional, porém, o arbitramento judicial do dano em valores superiores aos limites máximos dispostos nos incisos I a IV do § 1º do art. 223-G, quando consideradas as circunstâncias do caso concreto e os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da igualdade.”
O Ministro Gilmar Mendes, portanto, afastou a limitação de valor imposta pelo artigo 223-G, § 1º, da CLT, diante das circunstâncias do caso concreto. Logo em seguida, o Ministro Nunes Marques pediu vista dos autos e o julgamento das ações foi suspenso.
Ademais, embora essa questão específica ainda não tenha sido resolvida pelo STF, tema semelhante já foi decidido pelo Supremo mediante a apreciação dos artigos 51 e 52 da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa), que previa o tabelamento das indenizações por danos morais decorrentes da responsabilidade civil do jornalista profissional e da empresa que explora o meio de informação e divulgação.
Em julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130/DF, o STF declarou que a tarifação da indenização por danos morais, previstas na Lei nº 5.250/67 não foi recepcionada pela Constituição Federal por incompatibilidade material.
Ainda a respeito da constitucionalidade do artigo 223-G, § 1º, da CLT, alguns Tribunais Regionais do Trabalho já se pronunciaram sobre o tema em sede de incidente de arguição de inconstitucionalidade. Nesse sentido, em controle difuso de constitucionalidade os Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª Região, da 3ª Região, da 4ª Região, da 8ª Região e da 23ª Região já fixaram a tese pela inconstitucionalidade do artigo 223-G, § 1º, da CLT, exemplificada a seguir pela edição da súmula nº 48 do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região:
“SÚMULA Nº 48 – ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE. ART. 223-G, § 1º, I A IV, DA CLT. LIMITAÇÃO PARA O ARBITRAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL COM A CR/88.INCONSTITUCIONALIDADE. É inconstitucional a limitação imposta para o arbitramento dos danos extrapatrimoniais na seara trabalhista pelo § 1º, incisos I a IV, do art. 223-G da CLT por ser materialmente incompatível com os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, acabando por malferir também os intuitos pedagógico e de Reparação integral do dano, em cristalina ofensa ao art. 5º, V e X, da CR/88.”
Diante de todo o exposto, a tendência parece ser pela declaração de inconstitucionalidade da tarifação do valor indenizatório por dano extrapatrimonial na Justiça do Trabalho. De fato, embora seja salutar a iniciativa do legislador em estabelecer parâmetros para a fixação do valor da indenização por dano moral, eles somente podem servir como orientação ao magistrado, já que a complexidade das relações humanas e sociais é de tamanha riqueza que torna impossível a fixação prévia de valores indenizatórios.
Acrescenta-se, ainda, a questão sobre o dano moral coletivo, entendido como aquele que afeta interesses e direitos cuja titularidade é da coletividade e que refletem valores e bens de suma importância para a sociedade. Eles decorrem da proteção legal aos direitos difusos, coletivo e individuais homogêneos. No âmbito processual para a defesa desses interesses criou-se a tese do microssistema processual de acesso coletivo à Justiça.
Em razão da inexistência de um regramento unificado para a defesa desses interesses, aplicam-se normas esparsas, mas sobretudo dispostas no Código de Defesa do Consumidor e na Lei nº 7.347/1985, cujo conjunto ficou conhecido como o referido microssistema, aplicável aos diversos ramos do Direito.
Esse microssistema não possui qualquer regra sobre o tarifamento do valor da indenização por dano moral. Ademais, além de todos os argumentos pela inconstitucionalidade do modelo de tarifamento já expostos e também aplicáveis ao dano moral coletivo, a natureza desses direitos impede a fixação de valores máximos com base no salário do ofendido, de modo que o sistema do artigo 225-G da CLT se mostra incompatível com o dano moral coletivo.
Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:
§ 3º Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.