
Os lucros cessantes nas indenizações por acidente do trabalho
Por Marcelo Mascaro, sócio do escritório Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista
A complexidade das relações humanas e das interações sociais resultam em situações nas quais por vezes uma das partes dessas relações sofre alguma forma de prejuízo. O Direito Civil atribui à parte desses prejuízos, ou seja, àqueles considerados juridicamente relevantes, a natureza de dano e os trata a partir do instituto da responsabilidade civil.
A responsabilidade civil, por sua vez, é a obrigação em que um sujeito pode exigir de outro o pagamento de indenização por ter sofrido prejuízo atribuído a este último. Essa obrigação tem origem não em um negócio jurídico, mas sim em um ato ilícito ou fato jurídico.
No âmbito das relações civis um exemplo cotidiano da responsabilidade civil é encontrado nos acidentes de trânsito. Já nas relações de trabalho, tal responsabilidade é frequentemente discutida na seara da Justiça do Trabalho nos casos de acidente do trabalho sofrido pelo empregado, sem exclusão de outras hipóteses.
Estabelecida a responsabilidade do causador do dano, que pode ser subjetiva ou objetiva, cabe a ele reparar o prejuízo mediante uma indenização. Nesse sentido, o artigo 927 do Código Civil estabelece que aquele que por ato ilícito causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.
O dano a ser reparado poderá ser tanto o material, quando atinge um bem, como o moral, quando o prejuízo recai diretamente sobre a pessoa. No caso de dano material, também denominado patrimonial, ainda se inclui o dano emergente e o lucro cessante. A compensação nesses casos de danos materiais equivale ao valor do prejuízo sofrido pela vítima. O objetivo da indenização é tão somente restituir o patrimônio afetado de modo a restabelecer a condição anterior da vítima e não provocar seu enriquecimento.
Assim, a indenização deve ser a medida exata para ressarcir a vítima sem lhe causar um enriquecimento. Nos termos do artigo 944 do Código Civil ela mede-se pela extensão do dano. O dano emergente corresponde ao valor da diminuição patrimonial imediata sofrida pela vítima. Os lucros cessantes são a provável geração de riquezas gerada pelo bem suprimido do patrimônio da vítima.
Retomando o exemplo do acidente de trânsito, se um motorista que usa seu veículo para transportar passageiros comercialmente for vítima de acidente de trânsito, apurada a responsabilidade civil do causador do acidente, esse motorista terá direito a receber o valor da reparação do dano causado em seu veículo, a título de dano emergente, e o valor correspondente ao quanto ele deixou de ganhar enquanto seu veículo permaneceu parado, a título de lucros cessantes.
Embora no exemplo acima a aferição do valor dos lucros cessantes não gere muita dificuldade, em outras hipóteses o cálculo se mostra mais ardiloso. É o que se verifica, por exemplo, em ocorrência de acidente de trabalho em que o empregado perde integralmente ou parcialmente sua capacidade laborativa.
Conforme o artigo 950 do Código Civil “se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu”.
Assim, a vítima de acidente de trabalho que tem reduzida ou suprimida sua capacidade laborativa tem direito a uma pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou como forma de ressarcimento pelos lucros cessantes. Cabe, assim, ao ofensor indenizar a vítima pelo que ela deixará de ganhar ao longo de sua vida em razão do acidente.
Diversas questões surgem daí. Primeiro, o marco temporal da pensão devida. Se baseada na expectativa de vida da vítima, no real tempo de duração da sua vida ou até que adquira idade para se aposentar. Se adotado esse último critério sobre qual espécie de aposentadoria se fala: por tempo de contribuição, por idade ou compulsória?
No caso de morte do empregado, a jurisprudência tem utilizado a expectativa de vida do acidentado, estimada a partir de dados fornecidos pelo IBGE, como critério temporal para a fixação do valor da indenização. Vejamos:
“RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ACIDENTE DO TRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES. EXPECTATIVA DE VIDA DO DE CUJUS. O art. 948, II, do Código Civil,
estabelece que a indenização material abrange a prestação de alimentos à família do de cujus , levando-se em conta a sua expectativa de vida, no momento em que foi a óbito. No presente caso, o Tribunal Regional registrou que “os valores são fixados de acordo com a expectativa média de vida da vitima, de acordo com patamares vigentes na data de prolação do julgado” . Para fins de fixação do termo final do pensionamento devido em caso de morte do empregado, a jurisprudência desta Corte tem-se utilizado da expectativa de vida prevista em tabela oficial produzida pelo IBGE, utilizada pela Previdência Social nos termos do art. 29,
§ 8.º da Lei 8.213/91, considerando, para tanto, a idade que o empregado tinha na data do infortúnio. Precedentes. Portanto, os critérios adotados devem ser os vigentes na data do óbito do trabalhador, ou seja, no ano de 1981 e não quando da prolação da sentença. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-10078-24.2015.5.04.0541, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 26/10/2018).
O mesmo se dá em relação ao empregado que sofre acidente e tem sua capacidade laboral reduzida. A jurisprudência adota o critério da expectativa de vida da vítima, quando a indenização for paga em parcela única, porém aplicando-se um redutor correspondente à redução laboral. Assim, o exame pericial deverá atestar a porcentagem da redução laboral do acidentado, que será o mesmo percentual utilizado para definir o valor da indenização. Esse raciocínio é exemplificado pela seguinte decisão:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DO TRABALHO. REDUÇÃO DA
CAPACIDADE LABORAL. DANO MATERIAL (PENSÃO MENSAL) . A lei civil fixa critérios relativamente objetivos para a fixação da indenização por danos materiais. Esta envolve as despesas de tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença (art. 1.538, CCB/1.916; art. 949, CCB/2002), podendo abranger, também, segundo o novo Código, a reparação de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido (art. 949, CCB/2002), bem como é possível que tal indenização atinja ainda o estabelecimento de uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu (art. 1.539, CCB/1916; art. 950, CCB/2002). Noutro norte, a opção do Reclamante, no tocante ao pedido de pagamento da indenização de pensão em cota única (parágrafo único
do art. 950 do CC), conforme autorizado pelo novo Código Civil, tem como efeito a redução do valor a que teria direito em relação à percepção da pensão paga mensalmente, o que efetivamente foi considerado. No caso em comento , ficou consignado no acórdão regional que o obreiro, em decorrência de acidente de trabalho, foi acometido de invalidez parcial e permanente de membro superior direito em aproximadamente 60% (…) sendo inconteste a inabilitação para o desempenho da mesma atividade antes executada . O TRT, reconhecendo a responsabilidade da Reclamada pelo infortúnio, manteve a condenação imputada pelo juiz de primeiro grau, que utilizou o percentual de 40% da remuneração e o número de anos restantes de sua expectativa de vida para o cálculo da indenização, além de aplicar o redutor de 20% por se tratar de pagamento em cota única. Nestes termos, a decisão recorrida está em sintonia com os critérios estabelecidos pelo Código Civil (arts. 944 e 950 do CCB) e, em face das informações contidas no acórdão, o valor arbitrado não é desproporcional. Saliente-se, por cautela, que é inviável a tentativa da Reclamada de fazer com que esta Corte entenda que a incapacidade do obreiro não é permanente ou não condiz com o percentual arbitrado pelo TRT, haja vista o óbice da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento desprovido” (AIRR-544-53.2011.5.09.0025, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 29/11/2013).
Ademais, havendo mais de uma causa geradora da incapacidade, haverá redução proporcional do valor da indenização. Nesse sentido, transcrevemos a decisão em que uma vez verificada a existência de outras duas causas, além do acidente de trabalho, que contribuíram para a redução laboral da vítima, o valor estimado foi reduzido para um terço.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . DOENÇA OCUPACIONAL. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. PERCENTUAL UTILIZADO PARA FIXAÇÃO DA
INDENIZAÇÃO. MANUTENÇÃO . A lei civil fixa critérios relativamente objetivos para a fixação da indenização por danos materiais. Esta envolve as “despesas de tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença” (art. 1.538, CCB/1.916; art. 949, CCB/2002), podendo abranger, também, segundo o novo Código, a reparação de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido (art. 949, CCB/2002). É possível que tal indenização atinja ainda o estabelecimento de “uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu” (art. 1.539, CCB/1916; art. 950, CCB/2002). Atente-se que a norma em exame (art. 950, caput, do CCB) não cogita hipótese de exclusão da obrigação de indenizar em decorrência do fato de a vítima poder vir a exercer outra atividade compatível com sua depreciação. Com efeito, infere-se da norma que é o próprio “ofício ou profissão” do trabalhador que deve servir de parâmetro para a fixação do valor da pensão e é esse o caso. No caso em tela, o Tribunal Regional manteve a sentença, que condenou a Reclamada ao pagamento de pensão mensal vitalícia em parcela única. Para tanto, registrou a existência de três causas preponderantes – atividade laboral na Reclamada, hereditariedade e fatores degenerativos -, atribuindo a cada uma delas a participação de 33,33% para a redução da capacidade laboral obreira. Nesse passo, o Tribunal de origem, adotando os parâmetros fixados na sentença (incapacidade total para a função, redução parcial e definitiva da capacidade laboral obreira em 25%, participação do labor, como concausa, no importe de 33,33%, remuneração e expectativa de sobrevida – 28 anos), concluiu ser “devido o pensionamento postulado, observando a responsabilidade da
reclamada na ordem de 8,33% (25% x 33,33%/100)”, a ser pago em parcela única – observado o redutor de 25%, o que perfaz o montante de R$ 23.000,00. Fixadas tais premissas, tem-se que a indenização está em sintonia com os critérios legais para a sua fixação, não comportando qualquer forma de rearbitramento. Adotar entendimento em sentido contrário demandaria o revolvimento de provas, circunstância vedada em sede de recurso de revista (Súmula 126/TST). Agravo de instrumento desprovido” (AIRR-21705-40.2014.5.04.0030, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 14/12/2018).
Outra questão que provoca debate diz respeito ao valor do trabalho que a vítima se inabilitou. Conforme o já citado artigo 950 do Código Civil, a pensão paga como indenização deve corresponder à importância do trabalho para o qual ela se inabilitou ou da depreciação que ele sofreu. Para tanto, a jurisprudência define como base para o cálculo o salário recebido pelo empregado. Se acometido de incapacidade total será sua integralidade que servirá de critério para o valor da indenização. Se a incapacidade for parcial será aplicada essa proporcionalidade sobre o valor do salário.
Pode-se debater, contudo, que a fixação do valor da indenização não contempla eventual progressão na carreira do empregado e que ela deveria considerar a projeção do que o ofendido ganharia ao longo da sua carreira profissional considerando alguma evolução salarial.
Nesse ponto, a jurisprudência tem se inclinado para não incluir no valor dos lucros cessantes a possibilidade de progressão na carreira, uma vez que ela é incerta e, portanto, configura mera expectativa de direito. Conforme se verifica na decisão seguinte, tal inclusão somente seria possível se ficar demonstrada que a progressão era certa.
“Acenando com progressões funcionais obstadas com a aposentação, pretende a recorrente indenização por lucros cessantes , correspondente a 3% (três por cento) do montante deferido a título de danos materiais – pensão vitalícia. O juízo de origem rejeitou o pleito, por ser de natureza incerta, o que deve prevalecer. Com efeito, não cuidou a parte autora de demonstrar que a aposentadoria por invalidez impediu progressão certa na sua carreira específica. Em outras palavras, incumbia à reclamante provar que se continuasse em atividade teria direito a vantagens pela evolução natural na carreira – sem critérios subjetivos de merecimento ou produtividade, v.g. – , o que inocorreu. Na verdade, as progressões alegadas não encontram amparo fático concreto, mas retratam meras presunções. Sob a ótica do exercício de funções comissionadas, como realçou a magistrada sentenciante, cuida-se de mera situação hipotética, sem qualquer espécie de previsibilidade a amparar o pleito indenizatório. Nego provimento ao recurso da empregada.
Quanto aos depósitos do FGTS e ao auxílio-alimentação, a reclamante não ataca os fundamentos expendidos pelo Regional (Súmula nº 422 do TST).
O Regional concluiu que “não cuidou a parte autora de demonstrar que a aposentadoria por invalidez impediu progressão certa na sua carreira específica”. Nesse passo, não demonstrada a afronta aos artigos 949 e 402 do Código Civil de 2002.” (RR-81900-31.2006.5.10.0021, 5ª Turma, Relator Ministro Emmanoel Pereira, DEJT 04/06/2010)
De fato, entendemos que os lucros cessantes devem ser avaliados conforme a situação atual do empregado, ou seja, a partir dos termos do contrato de trabalho vigente. Deve haver um mínimo de certeza sobre o patrimônio que a vítima deixou de adquirir com o evento danoso. Eventuais evoluções salariais decorrentes da progressão na carreira estão na esfera da incerteza, ainda que possa haver alguma possibilidade de ocorrência. Em razão disso, defendemos que tais valores ensejam indenização pela perda da chance e não por lucros cessantes, justamente por se tratar de direito ainda não pertencente ao patrimônio da vítima, mas cuja hipótese é possível ou até mesmo provável.