
Palavra do Professor
Amauri Mascaro Nascimento
PARECER
XXXXXXXX instituiu um sistema de saque-cartão e quer uma avaliação sobre a sua compatibilidade com a legislação trabalhista:
Descreve-o assim:
“O pagamento feito por meio de cartão de saque, através da empresa YYYYYY (terceira), é feito quando um funcionário da XXXXXXX é premiado.
Este prêmio pode ser dado àquele funcionário que teve uma idéia de um projeto que beneficia a empresa e que não faz parte do trabalho cotidiano do funcionário ou então, àqueles representantes de vendas ou gerentes distritais/regionais, que atingiram uma determinada meta de vendas de um produto.
O valor do prêmio é repassado para a empresa Expertise, que repassa o valor para o funcionário através de um cartão saque.”
Passa-se à análise.
1 Quanto aos saques dos empregados por idéias eventualmente apresentadas, não vemos problemas trabalhistas.
Uma idéia apresentada por um empregado pelo processo produtivo é eventual, não tem características de continuidade, com o que a sua natureza jurídica não é salarial , afastando-se do campo de incidência do salário e, portanto, dos reflexos sobre o contrato individual de trabalho.
Não se afasta a idéia de que o INSS queira a contribuição previdenciária sobre os respectivos valores, mas são incabíveis porque não se trata de um ganho habitual do empregado.
Trata-se de um ganho eventual.
Aplicável é o art. 201,§11, da Constituição Federal, assim redigido:
“Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, na forma da lei”.
A eventualidade é medida em função de quem recebe e não de quem paga.
Assim, pode haver o sistema permanente, mas o saque deve ser esporádico, ocasional.
Não há uma lei determinando em que casos o ganho é ou não é habitual.
Assim, a habitualidade é uma questão resolvida por um princípio lógico. SE o empregado ganha todo mês ou em cada bimestre , haverá habitualidade. Se o ganho é dependente de uma condição que só pode pela sua natureza realizar-se eventualmente, como uma idéia que proporciona um ganho uma única vez num ano, ou talvez nunca mais, não será habitual.
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2. Quanto ao pessoal da área de vendas que têm direito ao saque-cartão por atingirem metas de vendas fixadas pela empresa, a situação difere e melhor será alterar o sistema.
Dois aspectos podem levar o intérprete a concluir que se trata de salário – caso em que incidem todos os reflexos sobre a folha de salário, décimo terceiro salário, recolhimentos de FGTS, contribuições do INSS etc- , apesar de pago por terceiro e não diretamente pelo empregador.
Primeiro, os saques são constantes, mensais ou bimensais,
Segundo, a condição para auferí-lo coincide com a das comissões ou prêmios habituais de produção.
O fato de ser triangularizado o pagamento por meio de saques em cartões atendidos diretamente por uma empresa especializada em faze-lo, não afasta a incidência do campo salarial.
Há outras situações nas quais as leis consideram salário pagamentos vindos de terceiros e não diretamente do empregador como no caso das gorjetas ( CLT art. 457) que provém dos fregueses e não do empregador de quem as recebe. A doutrina justifica a inclusão no salário de pagamentos provenientes não do empregador mas de terceiro na teoria da oportunidade de ganho. Assim, mesmo que o empregador não pague diretamente mas desde que enseje essa oportunidade ao empregado em razão do serviço que lhe presta, não fica descaracterizada a natureza salarial do pagamento.
Não quer isso dizer que uma empresa de saque-cartão ou de brindes seja ilegal.
Não é ilegal uma empresa que opera com cartão-convênio, produto que consiste em convênio entre empresa e a fornecedora, do qual serão titulares empregados das conveniadas e que os autoriza a fazer compras no comércio em valores que serão descontados, pelos empregadores, dos seus respectivos salários em folha de pagamento até o montante dos valores devidos pelo cartão.
Há, também, precedente da Lei n.10.820, de 17.12.2003, que autoriza descontos nos salários e nas verbas rescisórias, para pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades públicas ou privadas, quando expressamente autorizados pelo beneficiário, até o limite de 30% do valor do benefício, sendo a autorização irrevogável e irretratável.
Assim, o que se pode depreender da legislação existente sobre o tema, é uma certa inflexibilidade inicial, trazendo uma taxatividade estrita quanto a essas hipóteses mas uma crescente flexibilização com situações novas que nem sempre a Fiscalização Trabalhista e Previdenciária aceitam.
Estão nessa perspectiva de flexibilização a retirada da natureza salarial ( CLT art. 468) de diversas utilidades:
– integração em plano de assistência odontológica;
– plano médico-hospitalar;
– plano de seguro;
– plano de previdência privada;
– plano de entidade cooperativa, cultural ou recreativa associativa dos seus trabalhadores, em seu benefício e dos seus dependentes;
São Paulo, 30 de junho de 2.006