
Reforma Trabalhista: principais mudanças, impactos para as empresas e últimas atualizações
Por: Marcelo Mascaro
A Lei º 13.467, de 13 de julho de 2017, conhecida como Reforma Trabalhista, trouxe grandes mudanças na legislação do trabalho, sobretudo na CLT, e gerou debates acalorados entre profissionais e estudiosos da área. Em alguns pontos a reforma significou uma mudança de paradigma na legislação trabalhista e parte deles teve ou ainda tem sua constitucionalidade questionada. Sob a perspectiva empresarial, ela ainda trouxe novas possiblidades de gestão sobre o trabalho e proporcionou maior flexibilidade em sua regulamentação.
Neste artigo iremos abordar algumas dessas mudanças e o atual debate jurídico em torno delas.
Tarifação do dano moral
Uma das maiores polêmicas criadas com a reforma trabalhista de 2017 foi a introdução na CLT do artigo 223-G, que definiu parâmetros para a valoração da indenização por dano moral e criou uma margem de valores sobre os quais o magistrado deve se ater na fixação da reparação.
Muito se criticou a delimitação de valores máximos para a valoração da indenização por dano moral. Um dos principais argumentos era que o dano deve ser medido pela sua extensão, que varia para cada caso concreto, não sendo possível ao legislador prever seus valores antecipadamente. Ademais, a Constituição Federal assegura a reparação integral do dano. Ao limitar a indenização a um valor previamente estabelecido a lei restringe a norma constitucional, uma vez que cria a possibilidade de não haver sua reparação integral.
Acrescenta-se, ainda, que em nenhum outro ramo do Direito há limitação legal para os valores indenizatórios, o que significaria tratamento desigual entre aqueles que sofrem um dano moral decorrente de uma relação de emprego e os demais cuja ofensa sofrida tem como origem qualquer outra relação jurídica.
Por tais razões foram ajuizadas diversas ações diretas de inconstitucionalidade perante o STF com vistas a questionar a constitucionalidade do artigo 223-G da CLT. Nesse sentido, recente decisão do Supremo Tribunal Federal, de 23/06/2023, em sede das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 6050, 6069 e 6082, determinou que o tabelamento das indenizações por danos morais trabalhistas deve ser utilizado como critério orientador de fundamentação da decisão judicial, mas não impede a fixação de condenação em valor superior, desde que haja motivação para tanto.
Honorários advocatícios
A introdução do artigo 791-A na CLT foi outra grande mudança provocada pela Reforma Trabalhista. Anteriormente, a jurisprudência entendia que somente eram devidos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho se a parte estivesse assistida por sindicato da categoria profissional e comprovasse a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou se encontrasse em situação econômica que não lhe permitisse demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da família.
O novo dispositivo, por sua vez, passou a prever que ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% e o máximo de 15% sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.
A polêmica, porém, surgiu não em decorrência da introdução dos honorários de sucumbência, mas sobre sua incidência no caso de beneficiários da Justiça gratuita. Conforme o § 4º do dispositivo “Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário”.
Ou seja, ficou autorizado o beneficiário da Justiça gratuita ter descontadas as despesas com honorários de sucumbência em créditos obtidos em juízo. Contudo, o STF, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5766, invalidou apenas trechos da norma e julgou inconstitucional a presunção legal de que a obtenção de créditos em juízo, por si só, exclua a condição de insuficiência de recursos do devedor. Assim, na hipótese de beneficiário de Justiça gratuita, o credor dos honorários deverá provar que o devedor com o ganho de créditos em juízo deixou de ser hipossuficiente.
Jornada 12×36 por acordo individual
A jornada de trabalho de 12×36 antes da reforma trabalhista já era uma realidade em alguns setores da atividade econômica. Nesse sentido, a súmula nº 444 do TST, com fundamento no art. 7º, XIII, da Constituição Federal, consolidou o entendimento pela possibilidade de se adotar essa forma de compensação de jornada se houvesse previsão em lei, como ocorre, por exemplo, em relação aos bombeiros pela Lei 11.901/2009, ou acordo coletivo ou convenção coletiva e se fosse instituída de forma excepcional.
Não havia, porém, previsão legal de aplicação dessa jornada a toda e qualquer atividade em geral. A reforma trabalhista, por sua vez, acrescentou à CLT o artigo 59-A, que passou a prever expressamente a jornada 12×36 a qualquer atividade. Porém, de forma distinta do texto da súmula, o dispositivo legal autoriza que essa forma de jornada seja instituída também por acordo individual, além de acordo coletivo e convenção coletiva.
Com a nova redação, sua constitucionalidade foi questionada no STF mediante a ADI 5994, cujo principal argumento defendia violação do art. 7º, XIII, da Constituição Federal. A ação, porém, foi julgada improcedente em 03/07/2023, consolidando a possibilidade de jornada 12×36 ser estipulada por acordo individual e em qualquer atividade.
Contrato de trabalho intermitente
O contrato de trabalho intermitente foi uma das novidades na CLT que gerou maior controversa. Trata-se de modalidade contratual em que, conforme seu artigo 443, § 3º, “a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses”.
Para seus críticos essa forma contratual não respeita as garantias fundamentais mínimas do trabalhador e significa sua instrumentalização por tratá-lo como uma mercadoria qualquer. Diante disso, foi ajuizada a ADI 5826, questionando a constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente e que até o momento encontra-se com seu julgamento suspenso em razão de pedido de destaque do Ministro André Mendonça.
Dispensa em massa
Anteriormente à Reforma Trabalhista, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST havia firmado o entendimento de que as dispensas coletivas não poderiam ser realizadas de forma unilateral pelo empregador e seria indispensável sua submissão prévia à negociação coletiva.
Em 2016, a matéria foi levada à apreciação do STF e inserida no recurso extraordinário nº 999435. A Reforma Trabalhista, por sua vez, acrescentou à CLT o art. 477-A, que equiparou as modalidades de dispensa individual, plúrima e coletiva e passou a determinar expressamente que elas não dependem de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de norma coletiva, em sentido totalmente oposto ao entendimento prevalecente no TST até então.
Em 2022 o STF julgou o mérito do RE 999435 e fixou a seguinte tese: “A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical, ou celebração de convenção o acordo coletivo”.
Nesse sentido, nos termos do que foi decidido pelo STF, a dispensa em massa deve ser precedida de diálogo entre a empresa e o sindicato profissional, o que difere da obtenção de autorização prévia da entidade sindical ou de celebração de norma coletiva como requisito para a validade da dispensa.
Quórum mínimo para súmulas trabalhistas
Em decisão de 22/08/2023 o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede da ADI 6188, declarou inconstitucional o art. 702, I, f, § 3º e § 4º da Consolidação das Leis do Trabalho. O dispositivo havia sido introduzido na CLT pela Reforma Trabalhista e introduziu alguns requisitos para a criação e alteração de súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme na Justiça do Trabalho.
Conforme a norma, tais enunciados e súmula dependeriam: 1) da aprovação de pelo menos dois terços dos membros do Tribunal Pleno; 2) de a matéria já ter sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas; 3) de sessão de julgamento pública, divulgadas com, no mínimo, trinta dias de antecedência, e que possibilitasse a sustentação oral pelo Procurador-Geral do Trabalho, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pelo Advogado-Geral da União e por confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito nacional.
A constitucionalidade da norma foi questionada principalmente sob o argumento de que o Poder Legislativo violaria a separação dos poderes e a autonomia dos tribunais ao determinar regras procedimentais ao Poder Judiciário, que deveriam ser matéria de seus regimentos internos. Ademais, tais restrições foram impostas somente à Justiça do Trabalho, o que também acarretaria tratamento não isonômico entre os diferentes tribunais.
Por maioria, os argumentos foram acolhidos pelo STF e o procedimento para a alteração e criação desses enunciados de jurisprudência volta a ser definido pelos regimentos internos de cada tribunal.
Prevalência do negociado sobre o legislado
Também geraram discussões a introdução à CLT dos artigos 611-A e 611-B da CLT, que deu amplitude ao debate acerca de o negociado prevalecer sobre o legislado. O artigo 611-A passou a prever um rol exemplificativo de matérias sobre as quais o conteúdo negociado coletivamente prevaleceria sobre o previsto em lei.
A constitucionalidade do dispositivo foi questionada no STF, mediante o Recurso Extraordinário com Agravo 1121633, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.046), principalmente sob o argumento de que direitos trabalhistas não poderiam ser reduzidos por norma coletiva.
Em 02/06/2022, a ação foi julgada e foi fixada a tese de que “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Imposto sindical
De grande impacto no mundo sindical foi a alteração da redação dos artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT, que resultaram no fim da obrigatoriedade da contribuição sindical a todos os trabalhadores da categoria, independentemente de filiação ao sindicato.
A constitucionalidade das normas foi questionada em 20 ações de controle concentrado e julgadas em conjunto, em 29/06/2018, tendo sido declarada sua constitucionalidade, principalmente, sob o fundamento de que a obrigatoriedade da contribuição violaria a liberdade sindical.
Correção monetária
A Lei 13.467/2017 acrescentou o parágrafo 7º ao artigo 879, da CLT, nos seguintes termos: “a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil”. Ficou, assim, fixada a TR como parâmetro de correção monetária na Justiça do Trabalho.
Apesar disso, a maior parte da jurisprudência dos Tribunais da Justiça do Trabalho entendia pela inconstitucionalidade da aplicação da TR como índice de correção monetária aos débitos trabalhistas.
Diante da divergência entre a letra da lei e a interpretação adotada majoritariamente pela Justiça do Trabalho, foram ajuizadas pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) e pela Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (CONTIC) as ADCs nºs 58 e 59 com vistas à declaração de constitucionalidade do parágrafo 7º do art. 879 da CLT.
Em 18/12/2020 as ações foram julgadas, tendo sido conferida interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, da CLT, “no sentido de considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil)”.
Houve, ainda, modulação dos efeitos da decisão e foi determinado que não seriam afetados os pagamentos já realizados com utilização de outros índices e que seriam mantidas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram a TR ou o IPCA-E.