
Trabalho remoto: aspectos jurídicos e práticos (parte 2)
Marcelo Mascaro Nascimento
Em recente artigo abordamos alguns dos principais aspectos jurídicos e práticos sobre o trabalho remoto. Naquela primeira parte tratamos de sua definição, onde ele pode ser exercido, sua regulamentação, a forma de contratação e as possibilidades de alteração do regime presencial para o de teletrabalho e vice-versa.
Nesta segunda parte daremos continuidade ao assunto e iremos abordar aspectos como a jornada de trabalho no regime de trabalho remoto, as despesas com a prestação do serviço, as condições do meio ambiente de trabalho, a questão dos dias de feriado, a competência para o ingresso de ação trabalhista e a representação sindical.
Jornada de trabalho
A jornada de trabalho do empregado em regime de teletrabalho obedece a regras próprias ou àquelas gerais aos demais empregados, conforme o modo de contratação do trabalho remoto.
Conforme os artigos 62, III, e 75-B, parágrafos 2º e 3º, da CLT, o trabalhador remoto pode prestar serviço por jornada, por produção ou por tarefa. Caso o serviço seja prestado por jornada, ela deverá ser fixada contratualmente, obedecendo o limite constitucional de horas, e aplicam-se as regras voltadas aos empregados em geral. Dessa forma, ultrapassado o limite e não sendo caso de compensação de horas, será devido o pagamento das extraordinárias.
Se, porém, a prestação do serviço ocorre por produção ou por tarefa não se aplicam esses limites, pois há a presunção de total ausência de controle de jornada. Nesses casos, o trabalhador se compromete a entregar em determinado prazo certa quantidade de serviço prestado, tendo flexibilidade quanto aos horários em que irá executá-lo.
Apesar disso, se na prática for observado que o empregador exerce controle sobre o horário de trabalho desse empregado, então o limite de horário deverá ser respeitado.
A tecnologia permite que o controle seja feito de diversos modos, ainda que o trabalho seja remoto. Alguns exemplos são obrigação de ligação para central para teste de desbloqueio, monitoramento por webcam, sistema de log on e log off, ligação por celulares, softwares de monitoramento, entre outros.
Despesas com infraestrutura
Diante da própria definição de teletrabalho, que pressupõe o uso de instrumentos telemáticos, o trabalho remoto exige alguma infraestrutura para poder ser executado, que pode ser composta apenas por simples notebooks e acesso a internet até equipamentos complexos e especializados.
O artigo 75-D da CLT possui previsão sobre o assunto nos seguintes termos: “as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito”.
Assim, o artigo 75-D da CLT determina que a responsabilidade pela infraestrutura e o reembolso das despesas arcadas pelo empregado devem ser previstas no contrato escrito. O dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o princípio da alteridade, segundo o qual uma vez que o risco da atividade econômica é do empregador, cabe a ele arcar com as despesas com a atividade.
Nesse sentido, a jurisprudência tem se inclinado para atribuir ao empregador os custos com a infraestrutura necessária para a execução do serviço, mas admite que o empregado arque com as despesas que teria independentemente do trabalho, por exemplo, luz, água e internet. O empregador, assim, somente seria responsável pelos gastos residenciais se eles significassem um acréscimo de despesa e fosse realizado unicamente para cumprir o contrato de trabalho.
O contrato de trabalho, portanto, deverá prever as despesas necessárias para a prestação do serviço e de quem é a responsabilidade por elas. Havendo a necessidade de aquisição de equipamento exclusivamente para o trabalho, as despesas deverão ser por conta do empregador. O mesmo se diz se há necessidade de aquisição de plano de internet mais veloz, que não seria adquirido pelo empregado não fosse o serviço. Outras despesas, por sua vez, podem ter os gastos divididos entre empregado e empregador, mediante ajuste, quando beneficiarem ambos os lados.
Diante disso, conclui-se que a previsão do artigo 75-D da CLT é pela necessidade de estar discriminado por escrito as despesas decorrentes da prestação do serviço e o sujeito responsável por elas. Mas ele concede total liberdade para as partes disporem sobre essa responsabilidade, já que também deve ser considerado o princípio da alteridade. O que se quer dizer é que o contrato não poderá prever, por exemplo, que será do trabalhador a despesas de aquisição de um equipamento especializado e indispensável ao trabalho, que não seria adquirido pelo empregado não fosse a necessidade decorrente da prestação do serviço.
Ainda, salvo ajuste em contrário, os equipamentos adquiridos pelo empregador serão de sua propriedade e ficarão sob o regime de comodato na posse do empregado.
Segurança e saúde do trabalhador
A proteção da saúde e segurança do trabalhador remoto possui norma específica. Nesse sentido, o artigo 75-E da CLT determina que “o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”. Além disso, seu parágrafo único dita que “o empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador”.
A norma específica ao teletrabalho, assim, em sua literalidade, exige do empregador apenas a obrigação de orientação sobre seus empregados em relação às práticas a serem adotadas para evitar doenças e acidentes do trabalho. Estariam, portanto, em uma primeira leitura, afastadas obrigações como a de fornecimento de EPI ou equipamentos adequados ao trabalho ou, ainda, de fiscalizar o cumprimento das orientações dadas pelo empregador.
Não é essa, porém, a interpretação que deve prevalecer. Sobretudo porque o artigo 7º, XIII, da CF, assegura a todo trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho. Também, a convenção nº 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, exige que o empregador forneça aos empregados equipamentos para prevenir os riscos de acidentes ou de efeitos prejudiciais para a saúde, assim como garantir um local de trabalho seguro, entendido o local de trabalho como todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm que comparecer, e que esteja sob o controle, direto ou indireto, do empregador. Ou seja, é responsabilidade do empregador manter o ambiente de trabalho de acordo com as normas de segurança.
Também, considerando que o art. 157 da CLT exige que o empregador cumpra e faça cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho e que instrua os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, essas regras também se aplicam ao teletrabalhador. Além disso, na dicção do artigo 154 do mesmo diploma, cabe à empresa observar o quanto disposto no Capítulo V (“Da Segurança e da Medicina do Trabalho”) em “todos os locais de trabalho”, o que inclui o trabalho fora do estabelecimento do empregador.
Entendemos, dessa forma, que as obrigações do empregador no tocante à proteção à saúde e à garantia da segurança do trabalhador no ambiente de trabalho não se limita a mera necessidade de orientação, mas deve incluir todos os esforços possíveis para mitigar os riscos inerentes ao trabalho.
Apesar disso, por um lado, não se pode fechar os olhos para o fato de que no local onde o trabalho remoto é executado o poder diretivo do empregador não se dá com a mesma facilidade que no estabelecimento da empresa. O direito constitucional à inviolabilidade do domicílio, por exemplo, já é suficiente para demonstrar maior dificuldade na fiscalização das condições de trabalho.
Já por outro lado, essa maior dificuldade não pode ser utilizada como escusa para o empregador deixar de assegurar um meio ambiente de trabalho seguro. Nesse sentido, é recomendado não apenas a orientação ostensiva sobre as formas de evitar acidentes e doenças do trabalho, mas também o empregador poderá fornecer equipamentos adequados, por exemplo ergonômicos, e, ainda, ajustar mediante acordo com o trabalhador formas de exercer a fiscalização sobre as condições ambientais de trabalho, seja de forma presencial ou remota.
Cabe observar que a responsabilidade civil do empregador sobre acidente do trabalho, exceto em situações de risco criado, o que é de rara hipótese em teletrabalho, somente existirá se ele tiver agido com culpa. Por isso ser indispensável que de fato o empregador aja ativamente na prevenção de acidentes.
Aplicação de normas locais e territorialidade da representação sindical
Nos termos da Lei 663, de 1949, são feriados nacionais os dias 1º de janeiro, 21 de abril, 1º de maio, 7 de setembro, 2 de novembro, 15 de novembro e 25 de dezembro. Além dessas datas, a Lei 9.093, de 1995, autoriza que também sejam feriados: 1) a data magna do Estado fixada em lei estadual; 2) os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal e 3) os dias de guarda religiosa, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.
Os feriados regionais e locais, portanto, variam conforme o estado e o município, o que pode gerar dúvidas sobre qual norma se aplica ao trabalhador remoto. Deve ele usufruir do feriado estabelecido no local de sua residência ou do estabelecimento do empregador?
A mesma dúvida surge em relação à aplicação de convenções e acordos coletivos de trabalho. A regra geral aos trabalhadores não sujeitos ao trabalho remoto é que ao contrato de trabalho são aplicáveis as normas previstas na convenção ou acordo coletivo celebrado entre os sindicatos laboral e patronal ou empresa da localidade da prestação dos serviços, ainda que diversa da sede do empregador.
Após um período de certa polêmica sobre o tema, a Lei nº 14.442/22 deu solução ao assunto ao acrescentar o § 7º ao artigo 75-B da CLT, que dispõe que “aos empregados em regime de teletrabalho aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas convenções e nos acordos coletivos de trabalho relativas à base territorial do estabelecimento de lotação do empregado”.
Portanto, é o local do estabelecimento empresarial ao qual o trabalhador remoto está vinculado contratualmente que define os feriados locais e não o local da sede da empresa ou da residência do empregado.
Da mesma forma, aplica-se ao trabalhador remoto o acordo coletivo ou convenção coletiva do local do estabelecimento empresarial ao qual ele está vinculado.
Competência
A competência territorial da Justiça do Trabalho é definida pelo artigo 651 da CLT. A regra principal é o local da prestação do serviço. Nos termos do caput do dispositivo, a ação deve ser ajuizada na localidade onde o empregado, seja ele reclamante ou reclamado, prestar o serviço ao empregador, ainda que a contratação tenha ocorrido em outro local ou no exterior.
Se, porém, o empregado for agente ou viajante comercial, em razão de o trabalhador não se fixar em nenhum ponto, o § 1º do artigo 651 define como Vara competente aquela da localidade onde a empresa tenha agência ou filial à qual o empregado está subordinado, por exemplo, onde ele presta contas de suas vendas. Contudo, não havendo esse local, a competência será da Vara de seu domicílio ou localidade mais próxima.
Outra regra diz respeito às empresas que exercem atividade em vários locais. Nesse caso, se o trabalhador atuou ou atua em diversas localidades, a ação trabalhista pode ser ajuizada na da celebração do contrato ou da prestação do serviço. Essa regra tem aplicação, por exemplo, para os empregados que sofreram transferência ou cuja natureza do serviço exige se fixarem em distintos locais.
Também, observa-se que, embora a regra geral seja a da prestação do serviço, a jurisprudência trabalhista, em razão da garantia constitucional do acesso à Justiça, firmou o entendimento de que o foro do domicílio do empregado será considerado competente quando lhe for mais favorável do que a regra do art . 651 da CLT e a empresa possuir atuação nacional.
Em que pese a questão da competência territorial aparentar ser de simples solução, na prática das relações de trabalho podem surgir situações de maior complexidade.
O avanço das tecnologias da informação permite oferecer ao trabalhador uma grande flexibilidade quanto ao local de trabalho, não havendo necessidade que a prestação do serviço ocorra exatamente em sua residência. Não raro nos deparamos com profissionais que não se limitam a executar seu trabalho em sua moradia e, por vezes, o fazem em casas de veraneio, locais de trabalho compartilhado ou mesmo no exterior.
A possibilidade de pulverização dos locais de trabalho permitida pelo trabalho remoto em conjunto com a flexibilidade dado ao empregado de prestar o serviço em qualquer lugar que lhe convenha pode colocar o empregador em situação de ter uma ação trabalhista ajuizada contra ele em qualquer Vara do Trabalho do território nacional.
A Constituição Federal tem como direito fundamental o acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e que a condição de hipossuficiente do empregado merece maior proteção, inclusive, com a criação de mecanismos capazes de facilitar seu acesso à Justiça.
O conjunto das regras contidas no art. 651 da CLT se mostra coerente com tais princípios. A regra geral que estabelece a competência territorial como sendo do local da prestação do serviço possui dois méritos.
O primeiro diz respeito à maior facilidade de colheita de provas e de instrução processual no local da prestação do serviço. O segundo é quanto à pressuposição de que o empregado, na maior parte das vezes, também reside na localidade do trabalho. Em relação a esse último, caso o empregado tenha sido transferido para outro local de trabalho ou a natureza de seu serviço faça com que ele se fixe em diversas localidades, ele ainda tem a possibilidade de ajuizar a ação em qualquer uma delas ou no lugar da celebração do contrato.
Nota-se com isso que a CLT estabeleceu como critério para a definição da competência territorial a fixação a um posto de trabalho, ainda que por breve período. Contraposto a isso está o caso do empregado agente ou viajante comercial. Nessa hipótese, embora o trabalhador visite diversas localidades ele não se fixa nem mesmo momentaneamente em nenhuma delas, razão pela qual elas não são contempladas pela competência territorial da Justiça do Trabalho.
Sugerimos que essa mesma sistemática se aplique ao trabalho remoto, ou seja, que a competência territorial seja definida pela localidade da prestação do serviço ou do domicílio do trabalhador quando se tratar de empresa de âmbito nacional, conforme construção jurisprudencial, desde que o trabalhador tenha se fixado minimante nesse local.
Caso isso não se verifique, o que pode ocorrer, por exemplo, com os chamados nômades digitais, que se definem justamente por não possuir uma base fixa de trabalho e cultivam um estilo de vida de constante deslocamento, nessa hipótese poderá ser aplicado por analogia o § 1º do art. 651, ou seja, as mesmas regras destinadas ao empregado agente ou viajante comercial.
Dessa forma, entendemos preservar o direito ao acesso à Justiça do empregado, sem desconsiderar sua condição de hipossuficiente, e oferecer um mínimo de previsibilidade ao empregador quanto aos possíveis locais que poderá enfrentar uma ação trabalhista.