Escalonamento das normas, princípio da norma favorável ao trabalhador e derrogações ao princípio

Escalonamento das normas, princípio da norma favorável ao trabalhador e derrogações ao princípio
Amauri Mascaro Nascimento (in memoriam) 

A — ESCALONAMENTO DAS NORMAS. O ordenamento jurídico, como todo sistema normativo, é um conjunto de normas de conduta, de organização, de competência, de direitos subjetivos e deveres, aspecto do qual resulta a necessidade de ser estabelecida uma correlação entre as normas visando à coerência do sistema.

A mais vigorosa construção jurídica destinada a encontrar uma solução para esse problema é a teoria de Kelsen, para quem as normas jurídicas são dispostas segundo uma pirâmide que tem como vértice uma norma fundamental da qual resulta o fundamento e a validade das normas inferiores de modo sucessivo e escalonado entre as mesmas, questões que são estudadas pela Teoria Geral do Direito.

Há, portanto, uma fonte das fontes, que é o ponto de unificação e que dá unidade ao todo, como um poder originário que cria novas centrais de produção jurídica, daí a intrínseca reprodução do sistema atuando sobre as normas como resultado da antecedente e como causa do subsequente.

B — PRINCÍPIO DA NORMA FAVORÁVEL AO TRABALHADOR. A Constituição Federal é a norma jurídica maior que exerce essa função na pirâmide normativa do direito do trabalho?

É evidente que a resposta deve ser afirmativa, porque a Constituição desempenha o papel fundamental atributivo da unidade do sistema, daí por que também nas relações de trabalho, como nas do direito comum, as normas inferiores não podem contrariar ou revogar as leis constitucionais.

Há, contudo, um aspecto peculiar ao direito do trabalho. A sua finalidade não é igual à do direito comum. Neste, a hierarquia das normas cumpre a função política de distribuição de poderes entre a União, os Estados Federados e os Municípios. A União reserva, para si, as atribuições que considera necessárias para a manutenção da unidade político-jurídica.

No direito do trabalho, o objetivo maior é social, a promoção da melhoria das condições sociais do trabalhador, daí a própria União, que tem competência para legislar sobre a matéria, permitir, salvo exceções que ressalva, que normas e condições de trabalho mais vantajosas para os assalariados, conferindo direitos acima dos que previu na Constituição, venham a ser criadas pelas normas inferiores do escalonamento.

Esse aspecto influiu na formação de um princípio próprio do direito do trabalho sobre a hierarquia das suas normas. É o princípio da norma favorável ao trabalhador, segundo o qual, havendo duas ou mais normas sobre a mesma matéria, será aplicada, no caso concreto, a mais benéfica para o trabalhador.

A proteção ao assalariado nem sempre é total e satisfatoriamente dispensada pelo Estado. Às vezes, normas não estatais cumprem melhor esse fim. Por tal razão, o direito do trabalho não acolhe o sistema clássico, mas sim o princípio da hierarquia dinâmica das normas, consistente na aplicação prioritária de uma norma fundamental que sempre será a mais favorável ao trabalhador, salvo disposições estatais imperativas ou de ordem pública.

Como corolário, segue-se que as condições mais benéficas ao trabalhador são sempre prioritárias.

Assim, se a lei ordinária garante férias de 30 dias e a convenção coletiva assegura férias de 60 dias, esta será a norma fundamental aplicável.

Se, de acordo com os usos e costumes, o aviso-prévio é de 60 dias e a convenção coletiva fixar a duração do aviso-prévio em 30 dias, prevalecem os usos e costumes, de caráter mais vantajoso.

Se a Constituição dispõe que o repouso semanal remunerado será preferivelmente aos domingos e o regulamento da empresa dispuser que o repouso remunerado será aos sábados e domingos, esta última norma será a fundamental.

Se o contrato individual garantir duas indenizações e a lei ordinária uma, o contrato individual terá plena aplicação.

C — DERROGAÇÕES AO PRINCÍPIO. O princípio da norma favorável ao trabalhador, como todo princípio, não é absoluto. Tem exceções ou derrogações resultantes de imperativos diferentes.

Primeira, diante das leis proibitivas, uma vez que, se o Estado, por lei, vedar que por meio de outras normas jurídicas seja dispensado um tratamento mais benéfico para o trabalhador, será inaplicável, por contrariar a lei, uma convenção coletiva que infringir a proibição. É o que pode ocorrer quando o Estado fixa normas sobre política salarial e indexação da economia, impedindo estipulações contrárias por negociação coletiva.

Segunda, diante de leis de ordem pública, ainda que não expressamente proibitivas, pela sua função de garantia maior da sociedade.

A negociação coletiva pode e quase sempre atua no sentido de criar normas e condições de trabalho mais benéficas para os assalariados, acima das previstas nas leis, segundo uma sucessividade de direitos que é válida, a menos que vedada pelo Estado ou contrária à ordem pública.

Nada impede que a negociação venha a cumprir, excepcionalmente, o papel flexibilizador, redutor de vantagem, o que pressupõe acordo com o sindicato. A Constituição Federal (art. 7º, VI) autoriza a redução de salário por acordo ou convenção coletiva.

Vimos que o art. 8º da CLT estabelece uma regra de hierarquia: havendo lei ou contrato, os usos e costumes não se aplicam. Desse modo, a sua aplicabilidade é subsidiária e restrita aos casos de lacuna da lei ou do contrato individual de trabalho. Se a matéria for tratada pela lei ou por contrato de trabalho, fica prejudicada a aplicação dos usos ou costumes.

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