Dr. Júlio Mendes analisa o registro de jornada “por exceção” previsto em norma coletiva

Direito do Trabalho
Registro de jornada por exceção e o recente posicionamento do TST
Júlio Mendes

A Justiça do Trabalho enfrenta, com certa frequência, a temática envolvendo o registro de jornada “por exceção”, decorrente de autorização prevista em norma coletiva (convenção ou acordo coletivo).

Trata-se de forma alternativa de controle da duração diária de trabalho, com a seguinte peculiaridade: não há marcação da jornada ordinária (horário de entrada e de saída — cujo cumprimento é presumido), mas, tão somente, das horas extras laboradas, ou seja, da exceção.

Este é o motivo que justifica a adoção de denominações como “registro por exceção”, “ponto por exceção” ou “jornada por exceção”. Também se observa a adoção desse regime para apontar eventuais atrasos e ausências.

Levando em consideração o teor do art. 74, §2º, da CLT, é “obrigatória” a anotação da hora de entrada e de saída, bem como a pré-assinalação do intervalo para repouso e alimentação, nos estabelecimentos que possuem mais de dez trabalhadores.

Neste passo, surgem as seguintes indagações: a assinalação apenas das horas extras é uma forma válida de controle de jornada? É válida a norma coletiva que autoriza essa modalidade de controle?

Esses questionamentos ganham relevo em razão do posicionamento adotado em 2018 (ARR-80700-33.2007.5.02.0261) e, renovado, recentemente, em 27/03/2019, pela 4ª Turma do C. TST durante o julgamento proferido no recurso de revista nº 1001704-59.2016.5.02.0076.

A importância de abordar o assunto em questão, decorre do fato de a tese, recentemente acolhida pela 4ª Turma do TST, seguir sentido oposto àquela que vinha sendo adotada pelo mesmo órgão colegiado e por outras Turmas da Corte Superior Trabalhista.

Com efeito, ilustrativamente, durante o julgamento do recurso de revista nº 63300-17.2012.5.17.0001, em 19/02/2014, e do agravo em recurso de revista nº 10380-93.2015.5.03.0084, em 30/11/2016, a 4ª Turma do TST se posicionou pela “invalidade” do controle de jornada por meio de registro por exceção.

Nessas decisões prolatadas em 2014 e 2016 foram adotados, em suma, os seguintes argumentos para “invalidar” o ponto por exceção:

  1. A obrigatoriedade de anotação do horário de entrada e de saída, além de decorrer de preceito de lei (art. 74, §2º, da CLT), consiste previsão normativa inerente à fiscalização do trabalho, de modo a contemplar natureza de ordem pública e cogente, sendo, por isso, infensa à negociação coletiva;
  2. O princípio da autonomia privada coletiva, embora assegurado pela Lei Maior (CF, art. 7º, XXVI), não ostenta feição absoluta, sendo assim, a norma coletiva não detém força suficiente para se sobrepor a direitos qualificados como indisponíveis e, nesta categoria, está inserida a exigência prevista no art. 74, §2, da CLT;
  3. A norma coletiva não pode isentar o empregador de cumprir com o registro da jornada ordinária de trabalho, pois essa exigência é inderrogável por iniciativa das partes;
  4. Não obstante a admissibilidade da flexibilização, o art. 7º, XXVI, da CF/88, não pode ser interpretado de forma ampla e irrestrita para não violar direitos trabalhistas de natureza fundamental que detém caráter protetivo ao trabalhador.

O mesmo órgão colegiado (4ª Turma do TST), contudo, admitiu a “validade” do registro de ponto por exceção ao julgar, em 27/03/2019, o processo nº 1001704-59.2016.5.02.0076. Nesse julgamento a validade foi pautada, em suma, nos seguintes argumentos:

  1. O conflito entre normas coletivas deve ser solucionado com base na teoria do conglobamento, tal como sinalizado pelo STF, por ocasião da análise das teses de repercussão geral dos recursos extraordinários nº 590.415 (Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 29/5/2015, Tema 152) e nº 895.759 (Rel. Min. Teori Zavaski, DJE 13/09/16);
  2. A teoria do conglobamento pressupõe aplicação da norma coletiva em sua unidade e completude;
  3. A norma coletiva merece ser compreendida considerando a existência de concessões recíprocas, de modo que há benefícios e sacrifícios de cada parte;
  4. Invalidar norma coletiva que autoriza o controle de jornada por exceção, sob fundamento de que o art. 74, §2º, da CLT contempla norma infensa à negociação coletiva, viola o art. 7º, XXVI, da CF/88;
  5. O art. 7º, XXVI, da Lei Maior, assegura a validade da negociação coletiva como normatização autônoma;
  6. o art. 611-A, X, da CLT, contempla regramento que confere prevalência do instrumento coletivo sobre a lei, quando a temática envolver modalidade de registro de jornada de trabalho.

Diante dos referidos elementos argumentativos, é possível perceber que houve significativa mudança de posicionamento. Ou seja, o registro por exceção previsto em norma coletiva, outrora não admitido, passa a ser considerado válido.

Dentre os fundamentos que conferem respaldo à licitude e validade do controle em comento, convém destacar aquele advindo com a reforma trabalhista: art. 611-A, X, da CLT. O caput desse dispositivo legal prescreve que a norma coletiva (convenção ou acordo coletivo de trabalho) detém posição superior à lei. Ou seja, há uma prevalência do que foi coletivamente negociado em face do legislado. O inciso X, por sua vez, prevê a hipótese de modalidade de registro de jornada de trabalho.

Com efeito, a posição contemporânea da 4ª Turma do TST insere o “ponto por exceção”, quando negociado de forma coletiva, no referido inciso X, do art. 611-A, da CLT. Dessa forma atribui-se prevalência à norma coletiva em detrimento do regramento contido no art. 74, §2º, da CLT.

Na esfera processual, diante desse novo posicionamento, abre-se espaço para o tema ser analisado em sede de recurso de embargos, no TST. Pois, até então, a convergência de entendimento entre as turmas, invalidando o regime de jornada por exceção, obstava essa medida recursal.

Por todo o exposto, percebe-se que o assunto em tela foi impactado pela reforma trabalhista e a pacificação da divergência, ora exposta, caberá à Seção de Dissídios Individuais I do TST. As futuras decisões deste órgão colegiado nortearão o caminho a ser adotado na prática, visando atribuir segurança jurídica aos jurisdicionados e aos demais integrantes da esfera social que adotam o regime de jornada por exceção.

Compartilhe