Dr. Marcelo Mascaro aborda a categoria das greves que possuem caráter político

Direito do Trabalho
Considerações sobre a greve com caráter político
Marcelo C. Mascaro Nascimento

A greve pode ser conceituada sob a perspectiva jurídica ou apenas como um fato social. Neste último caso, ela significa toda paralização do trabalho organizada coletivamente pelos trabalhadores com o objetivo de reivindicar algo.

Já sob o ponto de vista jurídico, o conceito de greve é mais restrito, pois a maior parte da doutrina define como greve apenas os movimentos decorrentes de um conflito de trabalho, de modo que não seria qualquer reivindicação protegida pelo direito de greve.

Nesse sentido, diferencia-se a greve com motivação de melhorar as condições de trabalho e a greve política, cujo motivo está associado a uma reivindicação de natureza política, geralmente destinada a algum órgão político.

Atualmente, o direito de greve no ordenamento jurídico brasileiro é considerado um direito fundamental, previsto constitucionalmente e com regulamentação legal. O status de direito fundamental também é encontrado em documentos internacionais e é decorrente de um longo processo histórico de desenvolvimento do Estado Democrático de Direito e de incorporação dos direitos sociais aos direitos humanos.

A ampla proteção ao direito de greve, contudo, não é interpretada pela maior parte da doutrina e jurisprudência como a plena liberdade de reivindicação, de modo que a greve política não tem sido admitida.

O Comitê de Liberdade Sindical da OIT, por exemplo, afirma, em seu verbete 522, que “o direito de greve dos trabalhadores e de suas organizações constitui um dos meios essenciais de que dispõem para promover e defender seus interesses profissionais” (sem grifo no original).

De fato, a greve política quebra, de certa forma, a lógica intrínseca à greve. A paralização coletiva dos trabalhadores cumpre a função de exercer pressão contra o empregador e, dessa forma, conquistar melhores condições de trabalho. A greve política se direciona a um terceiro, fora dessa relação, de modo que o empregador não possui condição de negociar ou atender às reivindicações.

Apesar disso, podemos sugerir uma terceira categoria de greve que não pode ser considerada nem intrinsicamente trabalhista e nem exclusivamente política. Trata-se das greves que possuem um cunho político, pois direcionadas para o poder político, mas que também têm como finalidade melhorar as condições de trabalho.

O próprio Direito do Trabalho, em alguma magnitude, se formou auxiliado por movimentos dessa natureza.

O sociólogo Aziz Simão relata que, no final da década de 1880, já era possível observar as primeiras greves operárias em São Paulo e que, na década seguinte, praticamente não houve um ano sem que houvesse greve, concentradas entre doqueiros, ferroviários, canteiros, gráficos, chapeleiros, operários da indústria de calçados, da construção civil, dos transportes urbanos e das obras públicas[1].

Luiz Werneck Vianna, ainda, aponta para a ocorrência de greves gerais em São Paulo, em 1917 e 1919.[2]

Em 1917 ocorreu a greve de maior expressão no período. Em maio desse ano, os trabalhadores de um grande estabelecimento têxtil, na capital de São Paulo, suspenderam suas atividades por mais de um mês.

Esse fato desencadeou outras greves nesse setor e mesmo em outros ramos industriais, de modo que, por fim, eclodiu uma greve geral com repercussão, inclusive, em outras localidades do estado.

O movimento foi de tal magnitude que, durante sete dias do mês de julho, a capital do estado observou uma paralização total de todas as suas atividades econômicas.[3]

Conforme Werneck Vianna, o ciclo de greves operárias, que se iniciou no estado de São Paulo, em 1901, e teve seu momento máximo nas greves gerais de 1917 e 1919, inicialmente foram motivadas apenas por questões salariais, porém, logo incorporaram a reivindicação de um direito fundamental do trabalho.[4]

Nota-se, assim, a característica heterogênea dessas greves que, simultaneamente, possuíam reivindicações de natureza trabalhista contra os empregadores, mas também possuíam exigências contra o próprio Estado, em especial, uma maior tutela por parte dele.

Considerando a proteção jurídica ao direito de greve, atualmente garantida em nosso ordenamento, a característica híbrida de movimentos dessa espécie traz um desafio adicional ao operador do Direito.

Em razão disso, de forma não conclusiva, mas com o intuito de trazer alguma luz à questão, encerramos com a seguinte consideração do professor Amauri Mascaro Nascimento:

“Não será inconstitucional jurisprudência que os Tribunais do Trabalho venham a construir considerando abuso de direito a greve política no sentido estrito. Como ensina Lópes-Monís, as greves políticas, em sentido estrito (a greve política insurrecional ou revolucionária), são qualificadas como delito; a greve política não revolucionária frequentemente é tolerada, mas não constitui exercício válido de um direito; a greve mista ou econômico-política tem sido considerada, pelo direito comparado, lícita ou ilícita contratualmente, segundo os diferentes ordenamentos”.[5]

[1] SIMÃO, Aziz. Sindicato e Estado: suas relações na formação do proletariado de São Paulo. São Paulo: Dominus, 1966. p. 161.
[2] VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p. 51.
[3] SIMÃO, Aziz. op. cit., p. 108.
[4] VIANNA, Luiz Werneck. op. cit., p. 51.
[5] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. São Paulo: Ltr, 2012. p. 532.

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