Dr. Marcelo Mascaro trata das “greves sanitárias”, que têm surgido com a pandemia da Covid-19

A greve ambiental em tempos de pandemia
Marcelo C. Mascaro Nascimento

O direito de greve é um direito fundamental assegurado constitucionalmente nos artigos 9º e 37º, VII, da Carta Magna. Ao longo dos séculos XIX e XX, nota-se um processo histórico no qual a greve passou por três fases não necessariamente lineares.

As duas primeiras foram momentos em que o movimento grevista era proibido ou criminalizado e momentos em que era tolerado sem, contudo, ser garantido como direito. Já em uma terceira fase, associada a regimes mais democráticos, a greve foi conquistada pela classe trabalhadora como um direito.

Embora seja consolidada sua natureza de direito fundamental, discute-se sobre a abrangência do exercício do direito de greve. O mencionado artigo 9º da Constituição Federal, além de garantir o direito de greve também determina que cabe aos trabalhadores definir os interesses que pretendem defender por meio desse instrumento.

Assim, em princípio, o dispositivo poderia levar a uma interpretação ampla sobre quais interesses podem ser defendidos mediante a greve.

Não obstante, no Brasil, jurisprudência e doutrina majoritária têm entendido que esses interesses devem manter relação com as condições de trabalho oferecidas pelo empregador, não abrangendo, por exemplo, a greve política e a de solidariedade.

Nesse sentido, a greve pode ser conceituada sob seu aspecto jurídico ou sociológico. No último caso, ela adquire traços amplos e significa toda paralização organizada coletivamente pelos trabalhadores para reivindicar algo. Juridicamente o conceito é mais restrito, pois entende-se que as reivindicações dos trabalhadores devem estar relacionadas a um conflito de trabalho.

A greve ambiental, por sua vez, entendida como aquele cuja finalidade é defender um meio ambiente de trabalho seguro, está perfeitamente abrangida pelo conceito jurídico de greve e é reconhecida pelos Tribunais da Justiça do Trabalho.

Não haveria de ser diferente, uma vez que a greve ambiental busca proteger a saúde e a vida dos trabalhadores no ambiente de trabalho.

Em razão disso, inclusive, a jurisprudência entende que no caso de existir risco grave e iminente para a saúde ou segurança do trabalhador, a deflagração do movimento grevista não necessita cumprir os requisitos formais para o exercício desse direito previstos na Lei 7.783/89, ainda que se trate de atividade essencial.

Tais requisitos, como a comunicação prévia da paralização, somente seriam exigíveis se as reivindicações, em que pese terem como escopo melhorias nas condições do meio ambiente de trabalho, não constituírem risco grave e iminente.

Essa espécie de paralização comumente é utilizada para protestar contra o desrespeito às normas de segurança e saúde do trabalhador, em especial aquelas previstas nas Normas Regulamentadoras emitidas pelo extinto Ministério do Trabalho e Emprego, no caso dos trabalhadores celetistas. Um exemplo frequente é o não fornecimento do equipamento de proteção individual pelo empregador.

Com a pandemia da Covid-19, porém, estão surgindo movimentos grevistas, nos quais as reivindicações dos trabalhadores estão associadas à diminuição do risco de contágio do vírus. Embora trate-se de típica greve ambiental, essas paralizações têm recebido a denominação de greve sanitária.

Uma vez definida a greve ambiental, a questão que se coloca é saber em quais hipóteses ela é legítima. Assim, há de se diferenciar as situações de risco grave e iminente à saúde do trabalhador das demais.

Entendemos, quanto à exposição à Covid-19, que tal risco estará caracterizado sempre que não houver o cumprimento pelo empregador das normas definidas para a prevenção do coronavírus.

Tais normas são esparsas e estão presentes nos âmbitos federal, estaduais e municipais.

Por exemplo, o artigo 3º-A, III, da Lei 13.979/2020 exige o uso de máscara de proteção individual em estabelecimentos comerciais e industriais. Desse modo, um ambiente de trabalho em que não se verifica o uso de tal equipamento deve ser considerado como de risco grave e iminente ao trabalhador, uma vez que é a própria legislação que exige o cumprimento dessa medida preventiva.

De outra forma, se o empregador cumpre todas as normas relativas à prevenção do contágio da Covid-19 e as reivindicações do movimento grevista dizem respeito à ampliação dessas medidas preventivas ou se é pretendido o não retorno ao trabalho enquanto não houver diminuição do número de casos, para a greve não ser considerada abusiva deverão ser respeitados os requisitos formais da Lei 7.783/1989, na medida do possível, já que não se mostra razoável exigir assembleia deliberativa da greve de forma presencial.

Não sendo a greve abusiva, seu mérito poderá ser discutido em dissídio coletivo, que avaliará cada caso concreto.

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