A ADC 66 e a pejotização das relações de trabalho

A pejotização pode ser conceituada como a prática pela qual um trabalhador em típica relação de emprego constitui pessoa jurídica para simular uma relação de natureza cível ou comercial. Com isso o empregador reduz encargos trabalhistas e fiscais e ao trabalhador, por vezes, é oferecido um rendimento mensal superior ao salário que receberia, em que pese sofrer a exclusão de diversos outros direitos trabalhistas.

Tal prática há muito é considerada fraude pela Justiça do Trabalho, uma vez que viola os artigos 2º e 3º, da CLT, definidores da relação de emprego, razão pela qual o contrato que simula a relação cível ou comercial é considerado nulo, nos termos do artigo 9º da CLT e por decorrência da aplicação do princípio da primazia da realidade.

A declaração de nulidade da pejotização, contudo, não significa a total impossibilidade de prestação de um serviço sob forma distinta da relação de emprego. O princípio constitucional da livre inciativa e a autonomia da vontade garantem a liberdade de contratação sob qualquer forma não vedada pelo Direito.

Não obstante, tais princípios estão sujeitos à regulação legal e à obediência às normas delimitadoras das figuras contratuais que, em alguns casos são dotadas, inclusive, de imperatividade, tal como ocorre com os artigos 2º e 3º da CLT.

Nesse sentido, podemos identificar que de um modo geral o trabalho subordinado característico da relação de emprego se opõe ao trabalho autônomo, cuja definição tradicionalmente se construiu a partir da prestação de serviço por uma pessoa física de forma não subordinada.

O desenvolvimento do Direito Privado e em especial de seu ramo cível fez surgir novas formas de constituição da personalidade jurídica. De grande relevância foi o surgimento de figuras jurídicas permissivas à constituição de pessoa jurídica de sócio único. Atualmente, existem como possibilidades de constituição de pessoa jurídica de único sócio as seguintes figuras: microempreendedor individual (MEI), empresário individual (EI), empresário individual de responsabilidade limitada (EIRELI) e sociedade limitada unipessoal (LTDA unipessoal).

Tais figuras, entretanto, ampliaram as formas jurídicas pela quais o fenômeno da pejotização poderia simular uma relação distinta da de emprego. Apesar disso, em que pese, de fato, ocorrerem fraudes trabalhistas mediante a constituição de uma pessoa jurídica, a simples prestação de serviço mediante essas figuras não deve ser acompanhada da pressuposição de fraude. Deve-se ressaltar que elas são institutos jurídicos previstos na legislação e em pleno vigor.

Nesse sentido, importante ressaltar a redação do artigo 129 da Lei 11.196/2005 e sua declaração de constitucionalidade pelo STF na ADC 66. Nos termos do dispositivo: “Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil”.

Dessa forma, a prestação de serviço intelectual por sociedade prestadora de serviço está sujeita, para fins fiscais e previdenciários, somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas. Ao ser analisado pela STF, a norma foi declarada constitucional e se entendeu pela possibilidade de o prestador de serviço intelectual, ainda que pessoa física, constituir pessoa jurídica com vistas a obter vantagem tributária, sem que isso se caracterize como fraude.

A decisão, ademais, fez ressurgir o debate sobre o tema da pejotização, tendo sido levantada a hipótese se a decisão da Corte Suprema a teria autorizado. Entendemos pela reposta negativa.

O STF confirmou a possibilidade de constituição de pessoa jurídica, ainda que de único sócio, para a prestação de serviço de natureza intelectual. Contudo, não afastou a aplicação dos artigos 2º e 3º da CLT. Nesse sentido, permanece a oposição entre trabalho autônomo e trabalhado mediante vínculo empregatício.

Permanece, portanto, a fraude trabalhista se uma vez presentes os requisitos da relação de emprego na realidade fática, a prestação de serviço for mascarada por um contrato entre pessoas jurídicas.

Apesar disso, também não será permitida a presunção de que a simples existência da prestação de serviço por pessoa jurídica de sócio único constitua fraude. Inexistentes os requisitos da relação de emprego, a prestação do serviço por tal forma será válida.

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