Uma contradição no mercado de trabalho?

Hélio Zylberstajn | Professor Sênior da FEA/USP e Coordenador do Projeto Salariômetro da Fipe

O fato de termos no Brasil taxas de rotatividade da mão-de-obra muito elevadas é bastante conhecido entre os estudiosos do mercado de trabalho. Menos conhecido é o fato de existirem cláusulas em acordos coletivos e em convenções coletivas que criam estímulos de estímulo à permanência dos empregados nas suas empresas e que estas cláusulas estão presentes em proporções significativas dos instrumentos coletivos negociados.

Este texto apresenta as evidências dos dois fatos contraditórios para provocar a reflexão e a busca de uma explicação que os concilie. Para começar, vamos exibir o Gráfico 1 abaixo, que mostra quantitativamente a rotatividade no mercado de trabalho formal coberto pela CLT, com os dados mensais do CAGED.

O gráfico cobre 19 anos, de janeiro de 2004 a dezembro de 2019, e mostra que a taxa de rotatividade tem comportamento sazonal, com duas regularidades: os menores valores ocorrem sempre em dezembro e os maiores sempre em março. meses de março.

Como a taxa de rotatividade mede a intensidade da substituição de empregados, podemos concluir que em dezembro as empresas tendem a não contratar substitutos, preferindo aguardar o início do ano e, em março, tendem a substituir os desligados com maior intensidade.

De acordo com a Gráfico 1, a taxa de rotatividade tem comportamento cíclico. Nos períodos de expansão da atividade econômica, a rotatividade cresce e nos períodos recessivos, decresce. Um desligamento pode ocorrer por iniciativa do empregado ou da empresa. Quando a economia vai bem, as oportunidades de trabalho se ampliam e se tornam mais atraentes, induzindo muitos empregados a procurar uma nova colocação.

Quando os empregados saem, as empresas 0,0% 1,0% 2,0% 3,0% 4,0% 5,0% 6,0% jan/04 jun/04 nov/04 abr/05 set/05 fev/06 jul/06 dez/06 mai/07 out/07 mar/08 ago/08 jan/09 jun/09 nov/09 abr/10 set/10 fev/11 jul/11 dez/11 mai/12 out/12 mar/13 ago/13 jan/14 jun/14 nov/14 abr/15 set/15 fev/16 jul/16 dez/16 mai/17 out/17 mar/18 ago/18 jan/19 jun/19 nov/19 Gráfico 1: Taxa mensal de rotatividade CAGED – Jan/2004 a Dez/2019 Taxa média mensal = 3,7%tendem a substituí-los rapidamente, para manter sua capacidade produtiva. Nestes períodos, a rotatividade cresce em maior proporção, devido aos desligamentos por iniciativa dos trabalhadores.

Na recessão, porém, a propensão a sair diminui, pois as boas oportunidades escasseiam. Por essa razão, a rotatividade diminui. Por outro lado, desligamentos por iniciativa da empresa tendem a ser predominantes nos períodos recessivos e, quando ocorrem, não geram substituições.

No período coberto pelo Gráfico 1, a taxa mensal média de rotatividade foi 3,7%. Isso significa que, em média, 3,7% dos empregados com carteira são substituídos, a cada mês. Expressar a rotatividade em porcentagem pode não dar ao leitor o significado concreto da movimentação de mão-de-obra no Brasil.

Em números inteiros, no período considerado, tivemos a cada mês, 1,43 milhão de admissões e 1,35 milhão de desligamentos. Em números redondos, 1,5 milhão de indivíduos entram e saem dos postos de trabalho, todos os meses! Uma movimentação maciça apenas para manter o nível do emprego, que implica em custos enormes para empresas e para trabalhadores.

É comum ouvir de empresários a reclamação de que, no Brasil, demitir um empregado “custa caro”. Os números aqui apresentados podem ser tomados como uma evidência de que talvez a reclamação seja infundada. Como conciliar a queixa sobre um eventual alto custo da demissão com a alta frequência de desligamentos aqui apresentada?

De qualquer maneira, o volume da movimentação e a expressiva taxa de rotatividade da mão-de-obra no Brasil levantam pelo menos duas questões. Afinal, isso tudo é necessário? É bom ou é ruim? Sabemos que a movimentação da mão-de-obra pode levar a uma melhora na alocação da força de trabalho.

Quando um trabalhador troca de emprego, pode encontrar se tornar mais produtivo no novo posto de trabalho. Isso vale para a empresa também. Portanto, deve haver um nível ótimo para a movimentação.

No caso do Brasil, porém, há razões para suspeitar que nossa rotatividade é maior do que a necessária e saudável, por várias razões. Do lado dos trabalhadores, a mais importante, provavelmente, é o conjunto de mecanismos institucionais que incentivam a decisão de se desligar da empresa: saque do FGTS acumulado, saque da multa de 40% sobre o FGTS acumulado, Seguro-Desemprego concedido automaticamente e sem exigências de demostrar empenho na busca de nova ocupação, aviso prévio de 30 dias usualmente indenizado, tudo isso somado representa uma soma tanto mais atraente quanto menor o salário recebido.

Do lado da empresa, chefias muitas vezes autoritárias, distantes dos liderados e malformadas na função de liderar, tendem a solucionar os pequenos conflitos valendo-se da demissão sem justa causa, utilizada nesses caos como instrumento recorrente de gestão dos recursos humanos.

Se for possível extrair uma conclusão do que foi apresentado até aqui, o autor estaria tentado a arriscar a seguinte: as taxas de rotatividade no Brasil são muito altas, mas, aparentemente, não incomodam nem os trabalhadores nem as empresas.

Essa conclusão seria correta, se nenhum dos dois lados mostrasse alguma intenção de mudar esse estado de coisas. Na verdade, tanto empresas como trabalhadores têm demonstrado explicitamente a intenção de combater a rotatividade.

A intenção fica evidenciada no conteúdo dos instrumentos produzidos na negociação coletiva, nos quais existem cláusulas para estimular a senioridade. Há dois tipos de estímulos negociados: adicional por tempo de serviço (aumento permanente quando o trabalhador atinge o tempo de casa estipulado na cláusula) e abono por tempo de serviço (prêmio pago apenas uma vez, ao atingir tempo de casa estipulado).

O Gráfico 2, a seguir, mostra a frequência com que estas cláusulas foram negociadas nos acordos coletivos e nas convenções coletivas, entre 2018 e 2020.

A cláusula mais frequente é o adicional por tempo de serviço, tanto nos acordos como nas convenções. Os dois benefícios em conjunto estão presentes em 25,3% dos acordos e em 34,8% das convenções. No total, a presença conjunta nas duas estruturas de negociação chega a 26,5%. Para avaliar a importância das duas cláusulas, deve-se lembrar que o reajuste salarial, a cláusula mais frequente, está presente em aproximadamente 50% das negociações.

A conclusão é direta: a promoção da senioridade é um tema relevante na mesa de negociação. A relevância, medida pela presença nos instrumentos coletivos, varia entre os 5 setores da economia. A Tabela 1 abaixo mostra que os incentivos à retenção dos empregados são mais frequentes na Construção Civil, setor em que a proporção chega a 42,2% (não por acaso, este é o setor de maior rotatividade de mão-de-obra).

Outro setor com altas taxas de rotatividade é o de Serviços, que negocia estas cláusulas em 28,6% dos casos. No conjunto dos 5 setores, cláusulas que visam promover a retenção dos empregados fazem parte do conteúdo de 26,5% dos instrumentos coletivos negociados (o mesmo resultado do Gráfico 2).

Neste texto mostramos que a rotatividade da mão de obra brasileira é muito elevada e, ao mesmo tempo, empresas e trabalhadores tentam reduzi-la por meio da negociação coletiva. A pergunta inevitável é: os negociadores conseguem o que pretendem?

A rotatividade seria maior sem as cláusulas? Ou seria a mesma? Uma resposta afirmativa para a primeira pergunta indicaria que a negociação seria bem-sucedida, pelo menos em parte. Mas uma resposta positiva para a segunda indicaria que a negociação coletiva, neste caso, seria ineficaz. Deixamos a busca da resposta para os leitores.

  • Este texto foi originalmente publicado no Boletim Informações Fipe – BIF, edição 487 de abril/2021, pgs. 12-15 (https://downloads.fipe.org.br/publicacoes/bif/bif487.pdf).

** Neste texto, a taxa de rotatividade mensal é calculada por meio da seguinte fórmula: Taxa de rotatividade = [valor mínimo entre admissões e desligamentos] / Estoque médio de empregados no período.

O valor mínimo entre admissões e desligamentos é exatamente a quantidade de empregados substituídos no período. Quando o saldo entre admissões e desligamentos é positivo, as admissões superam os desligamentos, que, neste caso, é igual à quantidade de substituições. Quando o saldo é negativo, a quantidade de admissões é igual às substituições.

O estoque médio é a média entre o número de empregados no final do mês anterior e no final do mês de referência. iii Estas cláusulas têm sido negociadas há muito tempo, mas o registro aqui apresentado cobre apenas os anos mais recentes porque o Salariômetro começou a tabulá-las em 2028.

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