Gratificação de função recebida por mais de 10 anos antes da reforma trabalhista se incorpora ao contrato? 

entenda as mudancas na gratificacao de funcao

Por Júlio Mendes, sócio do escritório Mascaro Nascimento Advogados.

Antes da reforma trabalhista (L. 13.467/17) o contorno jurídico a respeito da gratificação de função percebida por dez ou mais anos estava norteado pela jurisprudência do TST (Súmula 372). 

Foi pacificado entendimento no sentido de que o retorno ao cargo efetivo assegurava ao trabalhador o direito de continuar recebendo a gratificação em comento. 

Com efeito, a partir do momento em que o empregado recebe o comunicado para retornar ao cargo efetivo ele deixa de exercer a função de confiança. Caso tenha permanecido nessa função por pelo menos dez anos, o direito de receber a gratificação permanece. O fundamento até então adotado pela jurisprudência era o princípio da estabilidade financeira.

O que mudou com a reforma trabalhista

Esse cenário jurídico foi impactado com o advento da reforma trabalhista que promoveu alteração no art. 468 da CLT. Esse dispositivo legal passou a contar com o parágrafo segundo. Nele é possível observar regramento diverso daquele entendimento constante na súmula 372 do TST. 

De acordo com o art. 468, §2º, da CLT, independentemente do tempo de exercício da função de confiança, a gratificação não se incorpora ao contrato. 

Logo, não importa se o empregado exerceu a função de confiança por dez ou mais anos antes de retornar ao cargo efetivo. Percebe-se que o texto legal não acolhe o princípio da estabilidade financeira que conferiu respaldo ao entendimento fixado na súmula 372 do TST, verbete sumular ainda não cancelado.  

Em razão da nova diretriz legislativa contida no §2º, do art. 468, da CLT, a divergência a respeito do tema voltou a ser debatida na esfera processual, especialmente em relação aos contratos ainda vigentes e que foram firmados antes da reforma trabalhista. 

Diferentes perspectivas sobre o processo

De um lado, é possível identificar posicionamento o qual defende a incidência dos exatos termos da nova redação do §2º, do art. 468, da CLT. Para essa corrente, o teor do referido §2º aplica-se de forma imediata ainda que o contrato tenha sido firmado antes da reforma trabalhista, em atenção ao princípio da legalidade. Por isso, não há que se falar em direito adquirido, pois tal direito não pode ser criado por verbete de súmula e tendo em vista que ao Poder Judiciário cabe observar a competência atribuída ao Poder Legislativo. Nesse sentido foi a decisão firmada pela 4ª Turma do TST ao julgar o recurso de revista no processo nº 21424-76.2016.5.04.0010.

Por outro lado, em acórdão prolatado pela 7ª Turma do TST, extrai-se entendimento no sentido de que uma vez recebido o pagamento da gratificação de função por dez ou mais anos antes da reforma trabalhista se faz necessário aplicar a diretriz fixada na súmula 372 do TST. Neste passo, sustenta que a exclusão da gratificação implicaria violação ao direito adquirido do empregado além de afrontar a garantia constitucional atinente à irretroatividade da lei. Nesse sentido foi o julgamento proferido no processo 428-21.2017.5.06.0122.

O debate em comento chegou ao conhecimento da SBDI-I do TST (processo nº 21424-76.2016.5.04.0010). Órgão responsável pela pacificação da jurisprudência no TST. Do julgamento é possível extrair elementos no sentido de preservar os contornos da relação jurídica firmada antes da reforma trabalhista a fim de tutelar o ato jurídico perfeito. Ou seja, quando a lei posterior for mais gravosa ao titular do direito ela não pode incidir nas relações jurídicas em curso e que foram constituídas antes dela de modo a preservar o caráter sinalagmático do contrato. 

Conclusão

No referido julgamento é interessante observar, também, o apontamento feito quanto à eventual incidência da nova redação do §2, do art. 468, da CLT. Foi pontuado que a aplicação retroativa desse dispositivo em detrimento da diretriz constante na súmula 372 do TST implicaria retrocesso social, cuja vedação pode ser extraída do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e da Convenção Americana de Direitos Humanos.          

Por fim, ao dirimir a divergência, prevaleceu a tese no sentido de que a alteração gerada pela reforma trabalhista no art. 468, §2º, da CLT não pode ser aplicada de forma retroativa aos contratos firmados antes do início da sua vigência. Por isso, foi reconhecido o direito à percepção da gratificação de função percebida por mais de dez anos atendendo, assim, a diretriz estabelecida na súmula 372 do TST. Logo, diante desse contexto, é possível observar que a gratificação foi incorporada ao contrato. 

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