O ônus da prova do bem de família na Justiça do Trabalho

As mãos de uma familia sobrepostas com uma casa no centro, pois esta pode caracterizar um bem de família

Por Dr. Marcelo Mascaro Nascimento, sócio do escritório Mascaro Nascimento Advogados.

Bem de família, nos termos da Lei nº 8.009/1990, é o imóvel próprio utilizado como residência e moradia pelo casal ou família, assim como os móveis que o guarnecem, excluindo-se os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos. Embora a lei se refira ao casal ou entidade familiar, a jurisprudência também considera como bem de família o imóvel utilizado para residência pela pessoa solteira, separada ou viúva (1).

O imóvel caracterizado como bem de família é considerado impenhorável por dívidas de diversas naturezas, salvo poucas exceções expressamente previstas na Lei nº 8.009/1990. No âmbito trabalhista, a redação original da referida norma estabelecia como exceção à impenhorabilidade do bem de família dívidas decorrentes de créditos de trabalhadores da própria residência. Com a Lei Complementar nº 150/2015, porém, a previsão foi revogada e a impenhorabilidade do bem de família recai sobre qualquer dívida de natureza trabalhista.

Ademais, havendo mais de um imóvel pertencente ao casal ou à entidade familiar, será impenhorável somente aquele utilizado como residência. Se mais de um cumprir esse propósito, apenas o de menor valor se caracteriza como bem de família, exceto se outro tiver sido registrado para esse fim no Registro de Imóveis.

Assim, é comum nas execuções trabalhistas contra pessoas físicas que após a penhora de imóvel residencial sejam opostos pelo executado embargos à execução alegando a impenhorabilidade do bem de família.

Lei 13.467/2017

No processo do trabalho, conforme a redação dada pela Lei 13.467/2017 ao artigo 818 da CLT, como regra geral, o ônus da prova cabe ao reclamante quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao reclamado quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante.

Essa distribuição do ônus da prova, porém, desde que a produção da prova não se torne excessivamente difícil, pode ser alterada nas seguintes hipóteses: 

  1. previsão legal; 
  2. impossibilidade ou excessiva dificuldade de fazer a prova pela parte;
  3. maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. 

Observa-se que a distribuição dinâmica do ônus da prova, foi expressamente prevista para o processo do trabalho somente com a Lei 13.467/2017, em que pese sua aplicação anteriormente já fosse comum em razão do artigo 6, VIII, do CDC.

Já no tocante à alegação da existência de bem de família para afastar a penhora sobre ele, a aplicação da regra geral prevista no artigo 818 da CLT sugere que a prova sobre a sua existência recaia sobre a parte executada. Portanto, caberia ao executado demonstrar que o imóvel penhorado além de ser utilizado como residência própria também é seu único bem.

A conduta da jurisprudência majoritária do Tribunal Superior do Trabalho

A jurisprudência majoritária do Tribunal Superior do Trabalho, entretanto, vem entendendo que uma vez alegada a existência de bem de família pelo executado, cabe ao exequente demonstrar que existem outros bens de sua propriedade (2). Argumenta-se que a prova negativa de inexistência de outros bens é demasiada difícil ao executado e sua exigência implicaria um óbice ao direito de defesa, além de não se mostrar razoável. Vejamos:

“III – RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. EXECUÇÃO. EXECUTADO. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. ÔNUS DA PROVA 1 – No caso dos autos, o TRT registrou, no trecho transcrito no recurso de revista, “a existência de atual contrato de locação do imóvel penhorado e de outro contrato de locação firmado pelo agravante referente ao local onde reside”, mas concluiu que não foi provada a hipótese da Súmula nº 486 do STJ, pois o executado não comprovou que o bem sob discussão – que se encontra alugado para terceiros – seria o único imóvel de residencial de sua propriedade. Manteve, assim, a penhora sobre o bem do executado. 2 – Em resumo, o TRT atribuiu ao executado o ônus da prova de que esse seria o seu único bem imóvel, ou seja, exigiu do executado a comprovação de que tal bem seria de família e, portanto, impenhorável. 3 – Porém, a exigência de prova negativa da propriedade de outros bens imóveis é desprovida de razoabilidade, pois afeta a garantia de impenhorabilidade do bem de família e, consequentemente, extrapola os limites do art. 6º da Constituição Federal. 4 – Em casos similares, é do exequente o ônus da prova de que o imóvel a se penhorar não constitui bem de família. Assim, cabe ao exequente indicar outros bens de propriedade do executado para que se realize a penhora requerida. Julgados de Turmas do TST. 5 – Recurso de revista a que se dá provimento” (RR-1300-49.2011.5.15.0137, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 03/09/2021).

“II – RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. EXISTÊNCIA DE OUTROS BENS IMÓVEIS. ÔNUS DA PROVA DO EXEQUENTE. Exigir dos executados a prova de que o bem em discussão é o único bem imóvel próprio da entidade familiar é o mesmo que exigir prova negativa de que não possuem outros bens. Tal exigência é desprovida de razoabilidade e viola o direito de defesa da parte ao inverter, indevidamente, o ônus da prova e, consequentemente, afetar a garantia de impenhorabilidade do bem de família, razão pela qual extrapola os limites do artigo 6º da Constituição Federal. Portanto, é ônus do exequente provar que o imóvel indicado não constitui bem de família, demonstrando a existência de outros bens de propriedade dos executados. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-3-45.2017.5.17.0006, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 08/06/2018).

Entendimento nesse sentido, já vinha sendo aplicado pelo TST antes mesmo das alterações promovidas pela Lei 13.467/2017 no tocante ao ônus da prova e em especial sobre sua distribuição dinâmica.  Já com a nova redação do artigo 818 da CLT esse entendimento parece tender a se consolidar ainda mais, ainda que se observem vozes em sentido oposto.

Notas

1. Súmula 364 – O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

2. Em sentido contrário: “RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. CONFIGURAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. 1. Nos termos do art. 6º da Constituição Federal, são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. 2. Em observância à Carta Magna, o legislador ordinário editou a Lei nº 8.009/90, instituindo o bem de família legal, enquanto mantido, no atual Código Civil, o bem de família convencional (arts. 1.711 a 1.722). 3. É incontroverso que o patrimônio do devedor responde pelas dívidas contraídas, assegurando-se, contudo, patrimônio mínimo, como projeção do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). 4. Não obstante a proteção ao bem de família ser corolário da teoria do patrimônio mínimo, firma-se que a impenhorabilidade de bens sempre é exceção. 5. O ônus da prova da configuração de bem de família não pode recair sobre o credor, tendo em vista a costumeira hipossuficiência do trabalhador, que se estende, sob a ótica protetiva, ao plano processual: é manifesta a dificuldade de se exigir que o empregado exequente produza provas de que o executado possuiria outros bens. 6. Pelo princípio da aptidão da prova, deve demonstrar a veracidade do fato quem está apto a fazê-lo, independentemente da parte que o tenha afirmado. 7. Somando-se ao princípio da aptidão da prova, reza o art. 6º, VIII, do CDC que constitui direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;, dispositivo legal aplicável ao processo do trabalho, em razão da omissão da CLT e da compatibilidade com os princípios que regem o ramo jurídico, especialmente aquele que consagra o acesso à justiça pelo trabalhador. 8. Com a ausência de demonstração, pelo executado, de que o imóvel constitui bem de família, parte que possuiria aptidão para concretizar a impenhorabilidade do bem, não se configuram as ofensas constitucionais evocadas (art. 896, § 2º, da CLT e Súmula 266/TST). Recurso de revista não conhecido” (RR-88840-37.2008.5.02.0062, 3ª Turma, Redator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 06/08/2010).

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