Princípios da proibição de discriminação e da igualdade

Mãos unidas contra a discriminação

Por Dr. Amauri Mascaro Nascimento (in memorian).

O trabalhador tem o direito de não ser discriminado. O fundamento da proibição é o princípio da igualdade. 

Proibição de discriminação

O preconceito (CF, art. 3º, IV), a garantia de igualdade entre brasileiros e estrangeiros (CF, art. 5º), a discriminação do trabalhador e, em especial, da mulher e do portador de deficiência (Lei n. 9.029, de 1995, e CLT, arts. 461 e 373-A) são disciplinados pela lei brasileira.

A Convenção n. 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho, nesse mesmo sentido, declara que:

“discriminação é toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão” […] (Convenção n. 111, de 1958)

Admite distinções ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego (estatura, idade, boa imagem etc.). Iguala nacionais e estrangeiros em matéria de previdência social (Convenção n. 118, de 1964), coíbe a prática discriminatória no acesso ao emprego (Convenção n. 122, de 1964), proclama a igualdade de oportunidades e tratamento para ambos os sexos (Convenção n. 156, de 1981), veda a discriminação na dispensa do empregado, estabelecendo que:

“não constituem causas justificadas para o término do contrato de trabalho as diferenças de sexo, estado civil, responsabilidades familiares ou a gravidez.” (Convenção n. 158, de 1982)

E exalta a necessidade da readaptação profissional e formação de pessoas inválidas, respeitada a igualdade de oportunidades, de tratamento entre homens e mulheres inválidos (Convenção n. 159, de 1983) e o sobre emprego e reabilitação dos portadores de deficiência (Convenção n. 159, de 1993).

A Lei n. 12.298, de 2014 caracteriza como crime a conduta daquele que, discriminando o portador do HIV e o doente de AIDS, nega emprego ou trabalho, exonera ou demite, segrega no ambiente de trabalho ou divulga a condição com intuito de ofender a dignidade.

Visa-se, com essa linha de política legislativa e aplicação das leis, à defesa da dignidade do trabalhador, um dos mais importantes valores que a sociedade deve preservar, prevista na nossa Carta Magna, no art. 1º, inciso III como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

O que são ações afirmativas? 

Ao tema dedicou-se o ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa Gomes, em Ação Afirmativa & Princípio da Igualdade, o Direito como Instrumento de Transformação Social e a Experiência dos EUA (Rio de Janeiro: Renovar, 2001). São ações públicas, quando a sua iniciativa e consecução compete ao Poder Público, ou privadas, quando surgem por iniciativa particular desenvolvida por uma entidade ou uma organização não governamental, como estratégia de política social ou institucional voltada para alcançar a igualdade de oportunidades entre as pessoas, com o objetivo de favorecer a desvantagem de alguns segmentos sociais. 

Nesse sentido, a Lei n. 12.990, de 2014 reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. E também a Lei n. 13.146, de 2015 que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). 

Igualdade

A igualdade não é um conceito acabado, muito menos exato. Sua discussão começou com os pensadores da Grécia, há 2.300 anos, e as três espécies de igualdade são: a isonomia ou a igualdade perante a lei, a isotimia ou igual direito dos cidadãos de ocupar cargos públicos, e a isegoria ou igual direito de exprimir com a palavra o próprio pensamento.

No período contemporâneo, a igualdade passou a ser discutida em três diferentes concepções: a igualdade absoluta ou tudo igual para todos, a igualdade proporcional ou tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais e a igualdade material ou a cada um segundo as suas necessidades, reação contra a igualdade puramente formal.

Mais recentemente, como mostra o estudo de Amartya Sen, Desigualdade reexaminada, a ideia de igualdade nos põe diante da heterogeneidade básica dos seres humanos, sem a qual não é possível verificar desigualdades, e a multiplicidade de variáveis ou fatores de comparação. A escolha da variável, entre as diversas que podem ser escolhidas, preordena a discussão e altera a conclusão. A igualdade, na perspectiva de uma variável, pode não coincidir com a igualdade sob outra escolha de avaliação, assim como as avaliações da mesma variável podem ser diferentes segundo os valores de cada pessoa. 

A igualdade é um exercício de comparação. Mede-se algum aspecto específico de uma pessoa com o mesmo aspecto de outra pessoa. Duas pessoas podem ser desiguais em um aspecto, mas iguais, se é que isso é possível, em outro. Assim, também, as sociedades, as normas éticas e o direito positivo. Vê-se, logo, que o estudo da igualdade é a verificação das desigualdades. 

Variáveis de comparação

E existem variáveis de comparação. Vão desde as circunstâncias internas de uma pessoa, como a retidão moral, a saúde, os méritos pessoais, o amor ao próximo, até as circunstâncias externas, como as rendas, a riqueza, o patrimônio e assim por diante. 

O constitucionalista português Jorge Miranda, em Manual de Direito Constitucional, sublinha a tensão insuperável entre liberdade e igualdade e entre esta e o direito de diferença. Considera a igualdade absoluta impraticável e a igualdade relativa concretizável sob o aspecto positivo, a igualdade dos iguais, e o negativo, desigualdade dos desiguais. Não vê oposição entre igualdade material, econômico-social, e igualdade formal, padrão de regularidade no julgamento imparcial de todos na conformidade com a lei.

O direito do trabalho trata desigualmente situações desiguais e igualmente situações iguais, com tendência maior para a realização da igualdade material.

A Constituição de 1988 deu maior amplitude ao princípio da igualdade. O art. 7º, XXX e XXXI, veda a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”, protege o portador de deficiência, declara que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º, caput ) e proclama que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações” (art. 5º, I). 

Proíbe “a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil” (art. 7º, XXX), e “qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência” (art. 7º, XXXI).

Conclusão

Entretanto, a realidade social mostra a inefetividade das declarações legais. O IBGE, em Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira, publicado em 2013, revelou os seguintes, dentre outros dados: 

1) as mulheres ganham menos que os homens (cerca de 73% dos rendimentos dos homens), independente do nível de escolaridade; 

2) pretos e pardos recebem cerca de metade do rendimento de brancos em todos os Estados, sobretudo nas regiões metropolitanas de Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba e nem o aumento do nível educacional tem sido suficiente para superar a desigualdade de rendimentos.

Mudar as desigualdades econômicas, culturais, de saúde, de oportunidades de trabalho da nossa população e diminuir os espaços entre o legal e o real é uma tarefa para a qual não basta o direito do trabalho. Supera os seus limites. Exige políticas públicas.

Há uma fábula escrita pelo inglês George Orwell, A Revolução dos Bichos, que conta a história dos animais de uma granja que, revoltados com os maus-tratos, organizaram-se, expulsaram o proprietário e de posse da terra seus líderes reordenaram as atividades da granja, estabelecendo novos princípios de convivência social, visando ao bem comum.

Todavia, os seus líderes mostraram-se rebeldes e ambiciosos, usando a revolução dos bichos como instrumento de dominação dos líderes sobre os liderados, o que levou um dos personagens a quebrar os sete mandamentos; dentre os quais um deles dizia: todos os animais são iguais, reduzindo-os a um único mandamento, todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que os outros.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro, NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2018, 41. ed. pp. 144-146.

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