Dilemas sindicais na ordem constitucional

Amauri Mascaro Nascimento (in memoriam)

O Ministério do Trabalho e Emprego interpretou as disposições constitucionais de 1988 como uma abertura legal no sentido da liberdade sindical, tendo em vista os preceitos do art. 8º impeditivos da intervenção e da interferência do Poder Público na organização sindical, motivo pelo qual se afasta da atuação administrativa sobre os sindicatos, instituiu um procedimento interno meramente cadastral de novos sindicatos, expediu diversos atos voltados para esse fim e definiu que as impugnações de entidades sindicais passariam a ser dirimidas pelos interessados no Poder Judiciário.

Desativou a Comissão de Enquadramento Sindical — CES (art. 576 da CLT), integrada por representantes do governo, das categorias econômicas e das categorias profissionais, que tinha por principal função fazer o quadro de enquadramento sindical, revisto de dois em dois anos e com base no qual os sindicatos constituíam-se, representando uma das categorias desse quadro, e estas, as categorias, reuniam atividades idênticas, similares ou conexas.

Cabia à mesma Comissão resolver, com recurso para o Ministro do Trabalho, as dúvidas e controvérsias concernentes à organização sindical, solucionar as disputas de representatividade e avaliar se uma associação não sindical, depois de atuar nessa condição durante um período probatório de estágio prévio, apresentava condições suficientes para ser transformada em sindicato por investidura concedida pelo Ministro do Trabalho mediante a carta sindical.

Com a desativação da Comissão de Enquadramento Sindical, as suas atribuições deixaram de ser exercidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o quadro do enquadramento sindical deixou de ser revisto e atualizado (CLT, art. 577), as disputas de representatividade entre entidades sindicais deixaram de ser apreciadas na esfera do Ministério do Trabalho e Emprego ou em outra qualquer esfera administrativa e o modelo sindical, por essas razões, passou por grandes transformações.

O Governo não mais interferiu nas organizações sindicais e na sua criação que passou a ser livre, as categorias que eram um a priori passaram a ser um a posteriori, resultantes da própria iniciativa da criação livre de sindicatos, de tal modo que do sistema anterior no qual a categoria era o pressuposto da existência de uma entidade sindical, passou-se ao sindicato como causa constitutiva da qual decorria uma categoria, o que afetou o quadro de enquadramento sindical oficial.

A implementação dessas diretrizes, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, teve o propósito de valorizar a liberdade sindical, em consonância com o princípio da Convenção n.87 da Organização Internacional do Trabalho, não ratificada pelo Brasil, mas acolhida em parte pela Constituição de 1988.

Surgiram dúvidas sobre em que órgão deveriam ser registrados os sindicatos e o Supremo Tribunal Federal decidiu que o registro sindical deveria ser feito não em Cartórios Civis, mas no Ministério do Trabalho e Emprego.

As disputas de representatividade sindical, que passaram a ser muitas diante do elevado número de sindicatos que foram fundados, em grande parte por desdobramento de categorias ecléticas e sem qualquer pressuposto ou requisito a ser preenchido, não mais resolvidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego, passaram a ser apreciados e decididos pela Justiça Comum.

Divergências de interpretação dos efeitos da Constituição de 1988 sobre a CLT levaram ao Supremo questões sobre o que estava ou não recepcionado. O STF julgou recepcionados: o quadro de enquadramento sindical que acompanha a CLT; o número de dirigentes sindicais — sete —; a unicidade sindical; o órgão competente para o registro sindical, o MTE (Supremo Tribunal Federal, TP, 17.10.91, maioria, RMS n. 21.305/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 29.11.91, p. 17.326 e vol. 01644-01, p. 00093, RTJ, vol. 00137-03, pág. 01131).

Surgiram diversas Centrais Sindicais. Instituiu-se um sistema, paradoxalmente, de unicidade sindical no plano legal, mas de pluralidade sindical de fato. Algumas categorias tradicionais, econômicas e profissionais, conseguiram manter-se intactas.

A facilidade de fundar sindicatos permitiu a criação de sindicatos sem expressão, não representativos, e cisões de categorias econômicas e profissionais.

O trabalho autônomo, informal e precário gerou segmentos cada vez maiores de pessoas que não se socorrem da representação sindical e que procuram a defesa dos seus direitos em entidades específicas como as que atuam na defesa de interesses de vendedores ambulantes de rua e outras.

Os sindicatos viram-se diante de uma nova situação e tiveram de enfrentar diversas questões geradas pelas transformações no processo produtivo, mas que vêm sendo postergadas.

Uma delas que poderá afetar os sindicatos e que não é só do nosso país, é a queda das taxas de sindicalização. Não chega a ser um grande problema num sistema sindical em que todos os que integram uma categoria, sócios ou não do sindicato, têm de contribuir para a sua receita, como ocorre no Brasil com a contribuição sindical que é devida pelos trabalhadores e empregadores, independentemente de serem filiados ao sindicato que representa a categoria. Mas poderá tornar-se um grande problema daqui por diante porque o sindicato, para ter personalidade sindical, terá de comprovar representatividade e um dos requisitos exigidos para esse fim é a taxa de sindicalização mínima de 20% de sócios, com o que as entidades sindicais terão de rever essa questão.

Outra questão adiada é dimensionar os impactos da economia de mercado no movimento sindical e nos empregos. Não é possível voltar as costas para o que acontece no mundo todo. A economia de um país é fundamental para aumentar ou diminuir a importância dos sindicatos e a preservação de empregos, o que terá reflexos diretos na concepção de sindicalismo e, mais ainda, na ideia de negociação coletiva.

As mesmas causas econômicas provocaram maior heterogeneidade da força de trabalho em virtude do surgimento de novas profissões, fonte natural de profundas modificações na organização do trabalho numa sociedade pós-industrial e do fracionamento de categorias e dos interesses dos trabalhadores, que dificulta a unificação das demandas, diminui a coesão e a solidariedade e provoca a sua dispersão em unidades de produção menores e descentralizadas, multiplicando-se o número de sindicatos, especialmente tendo em vista as terceirizações, e os sindicatos devem encontrar uma forma de enfrentar o problema e que só pode ter sucesso na medida em que maior poder de decisão seja conferido aos sindicatos na base e não na cúpula.
Mudaram, também, as formas de contratação e de trabalho, à margem dos convênios coletivos e que se impuseram como lógica de sobrevivência, tanto para a empresa como para os empregados, muitas exigindo uma regra clara que ainda não foi feita.

competição decorrente da liberdade sindical, que de fato passamos a ter a partir de 1988, evoca um complicado dilema: como combinar adequadamente a liberdade sindical e, ao mesmo tempo, impedir que da sua preservação, da qual nenhum sistema democrático pode abrir mão, não resultem abusos como os que todos viram no Brasil, com a criação indiscriminada de sindicatos sem nenhuma legitimidade? Teriam sido adequadas as dimensões propostas para o novo modelo sindical com os requisitos que passa a exigir para que se mantenha um sindicato verdadeiro?

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