DIREITO DO TRABALHO

As mudanças jurisprudenciais do TST: uma iniciativa louvável
Marcelo C. Mascaro Nascimento

Em feliz e histórica iniciativa, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) saiu na frente dos demais tribunais superiores brasileiros. Após uma semana dedicada ao recebimento de propostas e à discussão das mesmas pelos 27 Ministros, em 24 de abril a Corte Trabalhista aprovou uma série de mudanças na sua jurisprudência, que serve como importante referência para as decisões de todas as instâncias da Justiça Laboral. Conforme bem colocou o editorial do jornal O Estado de S. Paulo de 17 de maio, “numa iniciativa que deve servir de exemplo para todos os tribunais superiores do País, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu suspender todos os julgamentos desta semana, para que seus ministros possam discutir propostas de atualização da jurisprudência e de modernização dos procedimentos administrativos”.

Com efeito, deliberou-se pela criação, alteração e cancelamento de diversas súmulas e orientações jurisprudências, que são os dois instrumentos fundamentais de consolidação das tendências jurisprudenciais no âmbito trabalhista. Como a iniciativa abrangeu temas muito distintos e complexos, nosso objetivo nesse artigo é apenas analisar algumas das alterações que consideramos de maior importância e repercussão para as empresas e os trabalhadores.

Foram canceladas cinco orientações jurisprudenciais, duas das quais merecem especial. A primeira é a OJ 273 da SDI-1, que não reconhecia aos operadores de telemarketing a jornada especial de seis horas prevista no art. 227 da CLT para os telefonistas. Desse modo, a tendência é que, a partir de agora, haja a extensão dessa jornada reduzida também aos operadores de telemarketing, orientação esta que já constava da Norma Regulamentar n. 17 do Ministério do Trabalho e Emprego, mas que não prevalecia na Justiça do Trabalho. O segundo cancelamento é o da OJ 215 da SDI-1, que atribuía ao empregado o ônus de comprovar que fazia jus ao recebimento do vale-transporte. Com essa mudança, agora é encargo do empregador o ônus dessa prova, diante do que será fundamental documentar e formalizar, no início do contrato de trabalho, se o empregado tem ou não direito ao vale-transporte.

Cancelada também foi a Súmula 349, que possibilitava acordo coletivo de compensação de horários em atividade insalubre sem prévia inspeção da autoridade competente em matéria de higiene no trabalho. A extinção dessa Súmula vai ao sentido da posição prevalecente no TST de que matérias de saúde, segurança e higiene no trabalho são de ordem pública, o que restringe a possibilidade de negociação coletiva envolvendo esses temas.

Foram também alteradas duas OJs e nove Súmulas. Entre as alterações, merece menção a inserção, na Súmula 74, de um terceiro item declarando que “a vedação à produção de prova posterior pela parte confessa somente a ela se aplica, não afetando o exercício, pelo magistrado, do poder/dever de conduzir o processo”. Assim, limitou-se a vedação de produção de prova apenas à parte que confessou, ampliando, por outro lado, o poder de atuação jurisdicional para a adequada condução do processo nesses casos.

Foi alterada, ainda, a Súmula 291, que agora prevê o pagamento de indenização proporcional não apenas em caso de supressão total de horas extras habituais, mas também nos casos de supressão parcial. Apesar de antes não estar expressa essa obrigação, fato é que os tribunais trabalhistas já adotavam esse entendimento ampliativo dos efeitos desse comando jurisprudencial. Destaque-se, ainda, a supressão do item II da Súmula 364 do TST, que permitia a fixação do adicional de periculosidade em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição pela via da negociação coletiva. A partir de agora, reduzidas serão as chances do Judiciário validar esse tipo de contratação coletiva que reduz o percentual devido a título de adicional de periculosidade.

A Súmula 369, que versa sobre a estabilidade provisória do dirigente sindical, teve seu item II alterado, esclarecendo que a garantia diz respeito apenas a “sete dirigentes sindicais e igual número de suplentes”. Por sua vez, houve a inclusão de um novo item na Súmula 85, que dispõe sobre a compensação de jornada, colocando de modo expresso que o regime compensatório conhecido como ‘banco de horas’ somente poderá ser instituído por negociação coletiva e não mais por acordo individual com o empregado. Essa decisão terá grande impacto, pois muitas empresas negociavam diretamente com seus empregados sistemas de compensação do tipo ‘banco de horas’, o que deverá ser feito com maior cautela diante desse novo item sumular.

Além disso, foram incluídos dois novos itens à polêmica Súmula 331, que dispõe sobre a terceirização. Agora, no item V, está claro que também os entes da Administração Pública direta e indireta responderão subsidiariamente, caso evidenciada a conduta culposa na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. Consagrou-se, novamente, a hipótese de responsabilização pela chamada ‘culpa in vigilando’. Por sua vez, o item VI registra que a responsabilidade subsidiária do tomador abrange todas as verbas decorrentes da condenação, diretriz que já vinha sendo aplicada.

Por fim, houve edição de três novas Súmulas. Destaque para a que reconhece, em processo em que haja pluralidade de advogados e pedido para que a publicação seja feita em nome exclusiva de um deles, a nulidade da intimação em nome de advogado diverso daquele indicado. Esse tema já gerou diversas discussões nos tribunais e é positivo que fique bem aclarado na forma de Súmula. Outra novidade é que se o período de deslocamento entre a portaria e o local de trabalho por parte do empregado exceder 10 minutos, deverá ser computado na jornada de trabalho nos termos do art. 4º da CLT, conforme nova Súmula também aprovada nessa oportunidade.

Como se nota dessa breve análise, são mudanças que causaram grande repercussão na vida das empresas e na prestação jurisdicional. Certamente, levarão algum tempo para serem plenamente aplicadas. Apesar das discussões que se possam fazer quanto ao mérito de cada uma dessas novidades, fato é que o TST deve ser elogiado pela atitude corajosa, demonstrando a humildade de que as posições jurisprudenciais devem ser adequadas a novas realidades e não estão insuscetíveis de críticas. Vale repetir as precisas palavras do Ministro João Oreste Dalazen, que reconheceu que “a falta de atualização e de regras claras está por trás de muitos conflitos de entendimento entre os ministros. Há inquietação enorme com a morosidade na execução das sentenças e isso afeta a credibilidade da Justiça do Trabalho como um todo”. Essas mudanças certamente contribuirão para uma prestação jurisdicional cada vez melhor e mais adequada aos interesses dos jurisdicionados.

DIREITO DESPORTIVO
O período protegido do contrato de trabalho desportivo

Jean Nicolau

Muito tem se falado acerca da impossibilidade de os clubes segurarem seus atletas em início de carreira, face ao assédio do futebol europeu. Dirigentes, jornalistas e até advogados entoam coro resignado, no sentido de que nada pode ser feito quando há proposta no valor da cláusula penal prevista em contrato.
 

Essa suposta impotência frente ao poderio econômico estrangeiro é frequentemente utilizada pelos clubes brasileiros como desculpa para a perda precoce de talentos. No entanto, o Regulamento da FIFA sobre a transferência de jogadores contém dispositivo apto a desencorajar a ruptura unilateral do contrato de trabalho desportivo.
 

Aquele regulamento estipula o chamado período protegido, ao longo do qual uma rescisão ocasionada por vontade do atleta pode ensejar até mesmo sanções desportivas – quatro a seis meses de suspensão das competições oficiais –, sem prejuízo de indenização pecuniária (17.3). Tais sanções podem ser aplicadas também ao clube que der causa à ruptura contratual ou incentivar o atleta a fazê-lo (17.4).
 

O próprio Regulamento da FIFA define o período protegido como ciclo de três temporadas ou de três anos subsequente à entrada em vigor do contrato, no caso de o mesmo haver sido concluído antes do 28º aniversário do atleta; ou o período de duas temporadas ou de dois anos, quando o contrato é celebrado após o 28º aniversário do esportista.
 

Deste modo, ainda que o direito brasileiro não confira aos clubes mecanismos que vão além de sanções pecuniárias para inibir a ruptura do contrato pelo atleta, a FIFA estabeleceu, com o aval da Comissão Européia, instrumento apto a compelir os mesmos a permanecer em seus clubes de origem.
 

A justificativa para a incorporação deste regime pela entidade é a necessidade de manutenção do equilíbrio competitivo, em vista da especificidade do esporte: o período protegido propõe-se a amenizar os efeitos causados a clubes de mercados menos avançados economicamente, inclusive europeus, em virtude da extinção do passe, instituto que compelia o atleta à renovação do contrato de trabalho desportivo.
 

Portanto, no atual contexto, não procede o discurso corriqueiro dos clubes brasileiros, os quais insistem em afirmar que, frente ao famoso “pagamento da multa”,  nada podem fazer senão agregar alguns bons milhões de euros a suas usualmente combalidas contas bancárias.   


ASSESSORIA EMPRESARIAL E PREVIDENCIÁRIA
Possíveis mudanças nas regras de terceirização

Carla Blanco Pousada Núñez 

A terceirização, modelo de contratação de mão-de-obra por empresa interposta, pode ter suas bases modificadas pelo Tribunal Superior do Trabalho com o intuito de aclarar a dúvida permanente sobre atividade-meio e atividade-fim da empresa. 

O TST, em sua primeira iniciativa de audiência pública, escolheu o tema “terceirização de mão de obra” para o debate, quebrando o paradigma dos posicionamentos unicamente pautados em seu próprio convencimento através dos extratos processuais.

A iniciativa partiu do Presidente do TST, Ministro Dalazen, com o objetivo de abrir as portas do TST para a manifestação pública, de pessoas qualificadas, no sentido de ajudar o judiciário no esclarecimento de fenômenos modernos que exigem uma análise mais aprofundada, e que nem sempre os processos judiciais os trazem com clareza.  Busca-se o enriquecimento do debate com questões fáticas, técnicas, científicas, econômicas e sociais.

Os principais tópicos abertos a discussão são: a manutenção do critério de atividade-fim do tomador de serviços para declarar a licitude ou ilicitude da terceirização; a terceirização em empresas de telecomunicações ou concessionárias de energia elétrica (principalmente nas áreas de telemarketing ou call center e na instalação, manutenção e reparo de redes e linhas telefônicas); a terceirização em instituições financeiras e atividades bancárias, como nas áreas de promoção de vendas, correspondência postal, recursos humanos, caixa rápido e cobrança, entre outros; e a terceirização em empresas de tecnologia da informação e comunicação e em empresas de alimentos e bebidas (promotores de vendas em supermercados, por exemplo).

A terceirização ou outsourcing como muitos preferem intitular, é um fenômeno importado dos EUA onde a empresa deixa de executar uma ou mais tarefas por seus empregados diretos, e passa o controle da tarefa para outra empresa. No Brasil ela é somente permitida para atividade-meio da empresa.  É bem certo que o instituto da terceirização não foi regulado em lei, ficando a critério do Judiciário o entendimento da questão, o que gerou a Súmula 331, III do TST no sentido que “não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.”
 
É fato que a Súmula 331, III, TST pacificou o entendimento sobre a licitude de terceirização de atividade-meio. Não obstante, o TST nunca pacificou o critério de diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim, abrindo margem para diversas interpretações de acordo com os interesses do aplicador da fonte jurídica.
 
Apesar da falta de regras claras, a terceirização desde a década de 80 foi amplamente utilizada por todos os setores e tamanhos de empresa buscando preocupar-se mais com os resultados do negócio e com a redução dos custos do que com a responsabilidade empregatícia das atividades acessórias, mas muitas vezes, também terceirizaram atividades aparentemente principais, como gestão de recursos humanos, promoção de vendas, transporte e logística etc.
 
Em vista da febre da terceirização, na década de 90 muito  se presenciou a terceirização de vários departamentos de uma empresa, mas em contra partida também se apresentaram  enxurradas de   decisões considerando o vínculo direto com o tomador  por conta da consideração como atividade-fim, trazendo  insegurança  na aplicação do instituto.   É verdade que a falta de equilíbrio na contratação de terceirizados associada à falta de regras trouxe problemas para as empresas, principalmente porque não haviam provisionado os custos daquelas pessoas como empregados, nem focado na gestão de recursos humanos quanto aqueles terceirizados, sem falar nas multas geradas pela fiscalização do trabalho. Apesar destes entraves,    a terceirização  continuou, no fiel da balança, uma opção positiva e   evoluiu  a passos largos se modificando conforme  o  crescimento mundial das empresas, que não raro terceirizam  grande parte de suas tarefas, e em muitos casos até a produção.
 
Assim, a proposta do TST em abrir a linha de diálogo  através da audiência pública, pode trazer possíveis mudanças nas regras de terceirização, buscando aproximar suas decisões e súmulas com a moderna visão do instituto e, claro, vem ao encontro da necessidade das corporações em  mitigar ao máximo seus riscos e competir com os custos das empresas concorrentes,  que nem sempre são nacionais,  seguindo uma tendência mundial de outorgar a outra empresa as atividades, que no ponto de vista do empregador, são acessórias para seu negócio.

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