Dr. João Pedro Ignácio Marsillac debate sobre o meio ambiente do trabalho saudável, quando se lida com o teletrabalho

Teletrabalho e saúde do trabalhador: Breves debates
João Pedro Ignácio Marsillac

O ano de 2020 pegou muita gente de surpresa com a notícia do coronavírus, obrigando o isolamento social como medida de contingência para evitar a sua proliferação. As novas tecnologias apareceram como aliadas para manter ativas várias atividades produtivas por meio do teletrabalho, transferindo o trabalho para dentro da casa das pessoas.

O Direito se viu na necessidade de estudar essa transformação, pois tal mudança tem o potencial de ocasionar demandas judiciais. Novas doenças ocupacionais e novas formas de acidentes do trabalho nascem devido ao desequilíbrio que essas modificações desenfreadas causam ao meio ambiente laboral.

A Lei 13.467/17 conceitua o teletrabalho como sendo “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.”

A regulamentação trazida pela Lei 13.467/17 deu uma roupagem a esse tipo de contrato, criando um novo cenário de proteção, afastando da proteção pelo controle do horário e flexibilizando a responsabilidade pela aquisição e manutenção de ferramentas utilizadas para a realização do teletrabalho, por força do que prevê o artigo 75-D, que diz:

“As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.”

E tudo indica que essa moda vai pegar, pois se estima que a relação entre o gasto com um trabalhador presencial e um teletrabalhador seja de 29:1 (se este usar o seu próprio carro) e 11:1 (se este usar os transportes públicos)[1].

Este dado evidencia, a toda sorte, o impacto que o teletrabalho poderá causar na sociedade, diminuindo o custo de produção e melhor distribuindo as riquezas, além de, é claro, ter se mostrado um remédio necessário para barrar a proliferação de doenças.

A discussão acerca do meio ambiente do trabalho saudável, quando se lida com o teletrabalho, traz consigo um verdadeiro conflito de valores, inclusive atingindo direitos fundamentais.

De um lado, é interessante para o próprio empregado que o empregador exerça a subordinação, na medida em que (tecnicamente) caso esta não exista, será mitigada a culpa em caso de esse labor causar algum malefício à saúde do empregado.

Mas, para essa vigília acontecer, esse tipo de labor fere outro direito fundamental: o direito à privacidade/intimidade (artigo 5º, inciso X, da Carta Magna). Neste sentido, o que é mais importante: a saúde ou a privacidade/intimidade do empregado? Existe alguma hierarquia entre os direitos fundamentais, em especial observando-se os dois supracitados?

Acrescenta-se aos questionamentos, um ponto deveras pertinente: considerando que o problema pode ser solucionado com a renúncia de um ou outro direito fundamental, até onde vai a liberdade de negociação, quando da celebração do contrato do trabalho, considerando o grande desequilíbrio que existe entre os dois agentes desta relação[2]?

A resposta a essa pergunta esbarra em outra problemática: as normas de Direito do Trabalho são normas sociais e estas, por excelência, além de irrenunciáveis, são irretratáveis, em função do princípio da vedação do retrocesso legislativo. Portanto, além do empregado, em tese, não poder negociar ditas normas de direito fundamental, a lei não poderia, também na teoria, criar meios para que essa transação ocorra.

Ademais, o teletrabalho coloca em xeque, também, a própria proteção de dados pessoais, tanto do empregador quanto do empregado. A proteção de dados, como parte integrante do direito fundamental à privacidade, deve ser protegida, sob pena, inclusive, de gerar danos morais a quem a violar[3].

Verifica-se, portanto, que as alterações trazidas pela Lei 13.467/17 e, timidamente, pelas medidas provisórias editadas pelo Governo nem de longe chegaram perto de encerrar vários temas que precisam ser mais bem debatidos. Isso porque, o teletrabalho é uma realidade que veio para ficar, mesmo depois de terminar a pandemia e tanto interesses de milhões de empregados, como de seus empregadores precisam ser melhor tutelados.

[1] MASI, Domenico de. “O futuro do trabalho. Fadiga e ócio na sociedade pós-industrial”. Rio de Janeiro. Ed. Da UnB, 2000. pp. 293-94.
[2] ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. “Considerações sobre o Desenvolvimento dos Direitos da Personalidade e sua Aplicação às Relações do Trabalho”. Revista Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, ano 3, nº 6 – Jan./Mar., HS Ed., 2009, p. 171.
[3] RUARO, Linden Regina. “Responsabilidade Civil do Estado por Dano Moral em Caso de Má Utilização de Dados Pessoais”. Revista Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, ano 1, nº 1 – Out./Dez., HS Ed., 2007, p. 241.

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