Negociação coletiva: balanço do primeiro semestre/2021

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Hélio Zylberstajn

Professor Sênior da FEA/USP e Coordenador do Projeto Salariômetro da Fipe 

Este artigo apresenta uma amostra dos resultados do trabalho que a Fipe  desenvolve no seu Projeto Salariômetro e tem dois objetivos: descrever o  procedimento utilizado para a produção dos dados e apresentar, a título de  exemplo, um balanço da negociação coletiva no primeiro semestre do ano. 

O Salariômetro acompanha sistematicamente as negociações coletivas, utilizando os textos dos acordos coletivos e das convenções coletivas¹,  negociados por empresas, sindicatos empresariais e sindicatos de  trabalhadores. Concluída a negociação, as partes encaminham os instrumentos coletivos para o Ministério da Economia, que os valida e publica na página MEDIADOR². 

Uma vez publicados, os instrumentos se tornam documentos  públicos e, diariamente, a Fipe os coleta e transfere para seus servidores. A equipe do Salariômetro examina cada documento e transforma as informações  originalmente no formato de texto em um conjunto de dados, adequados para  processamento e tratamento estatístico. 

Uma negociação pode resultar em dezenas de cláusulas, mas nem todas podem  ser transformadas em informações quantificáveis. O Salariômetro examina 42  tipos de cláusulas e publica os resultados em sua página, à qual seus assinantes têm acesso. 

Uma síntese  é publicada mensalmente no Boletim Salariômetro, acessível ao público.  Para apresentar uma amostra dos resultados do Salariômetro, selecionamos  alguns aspectos das 42 cláusulas e os apresentamos na forma de um balanço  comparativo do primeiro semestre de 2021 e de 2020. Os resultados incluem  salários e complementos salariais, abonos, benefícios não monetários,  benefícios de alimentação, contribuições sindicais e inovações da pandemia,  além do volume e da estrutura das negociações.³

1. Quanto se negocia no Brasil? 

A cada ano, ocorrem mais de 40 mil episódios de negociação no Brasil, das quais mais de 80% têm a estrutura de acordos coletivos. As convenções coletivas são  menos numerosas, mas como cobrem ramos de atividade por inteiro, se aplicam  a um número mais amplo de trabalhadores. De acordo com a Tabela 1, no primeiro semestre de 2020, tivemos 23.572 negociações coletivas, sendo 20.397 (86,5%) ACTs e 3.175 (14,5%) CCTs. 

Ainda na Tabela 1, a quantidade de negociações no primeiro semestre de 2021 é de apenas 11.788, mas as proporções entre ACTs e CCTs são muito semelhantes às do ano anterior. A menor quantidade de 2021 se deve à demora no envio dos instrumentos negociados para registro na página MEDIADOR. Dentro de alguns meses, com a chegada dos instrumentos faltantes, as quantidades equivalerão. 

Os dados da Tabela 1 indicam duas coisas: primeiro, se negocia muito no Brasil e, segundo, há muita negociação direta e descentralizada, que resulta nos ACTs, os acordos coletivos. Registre-se, ainda, que logo após a Reforma Trabalhista de 2017, houve uma redução sensível na quantidade de negociações. 

Os dados da Tabela 1 revelam que as partes se ajustaram às mudanças introduzidas pela Reforma Trabalhista e voltaram a negociar no mesmo volume de antes, da ordem de 40 mil negociações por ano.  

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2. Reajustes salariais na pandemia 

Tradicionalmente, a data-base é a ocasião em que os trabalhadores obtêm a atualização dos seus salários, normalmente acompanhada de algum ganho real. A probabilidade de sucesso reflete o poder de barganha dos trabalhadores e este depende de diversos fatores, sendo dois os mais importantes: o nível de atividade e a taxa da inflação acumulada desde a última data-base. 

O nível de atividade é positivamente correlacionado com o poder de barganha sindical e, portanto, com o tamanho do reajuste real alcançado. Na recessão, o reajuste real é pequeno ou, até mesmo, negativo. 

Na expansão, os ganhos reais tendem a ser maiores. A inflação tem dois efeitos sobre a magnitude dos reajustes, um, positivo e outro, negativo. Quando a inflação é grande, o reajuste nominal é grande também, mas pode não ser suficiente para proporcionar um ganho real. Por outro lado, quando a inflação é pequena, o reajuste nominal também é pequeno, mas, em geral, maior que a taxa de inflação. 

Do ponto de vista dos trabalhadores, o ideal é contar com um nível de atividade intenso e uma taxa de inflação pequena. Nessa situação, seu poder de barganha se beneficia e conseguem, invariavelmente, ganhos reais na mesa de negociações. 

Por outro lado, um cenário recessivo combinado uma com taxa de inflação de grande magnitude resultam em reajustes salariais reais negativos. Neste tipo de cenário, os sindicatos de trabalhadores são obrigados a mudar o foco, reduzindo a ênfase nos ganhos econômicos para priorizando a preservação do emprego. 

Para avaliar o comportamento dos reajustes salariais negociados, estendemos a análise para cobrir dois períodos sucessivos de 12 meses, julho/2919 a junho/20 e julho/20 a junho/2021. Os Gráficos 1 e 2 mostram que: 4

grafico 1 economia e rel do trabalho agosto boletim mascaro
grafico 2 economia e relacoes do trab boletim mascaro agosto

a) Em períodos de recuperação econômica e inflação baixa, os reajustes reais aparecem (2º semestre de 2019 e maio-junho de 2020);

b) Quando a inflação aumenta, os reajustes reais desaparecem (1º semestre de 2020, até abril e 2º semestre de 2020);

c) Finalmente, quando a recessão se aprofunda e a inflação dispara, os reajustes ficam negativos (a partir de dezembro de 2020).

3. O pacote de remuneração: salários, pisos e complementos salariais

A Tabela 2 a seguir registra a presença de diversos itens negociados, que compõem a remuneração paga em espécie, de forma permanente e contínua. O item mais frequente é o Piso salarial (presente em 74,7% das negociações do 1º semestre de 2020 e 81,8% de 2021). 

Reajuste salarial e adicional de horas extras vêm em seguida e com proporções crescentes entre os dois períodos. Os demais itens registram decréscimo na presença nas negociações. Como antecipado nos Gráficos 1 e 2 da seção anterior, O reajuste mediano do 1º semestre de 2020 foi 3,00% e o do 1º semestre de 2021 foi 5,43%. No primeiro caso, o reajuste empatou com a inflação acumulada medida pelo INPC e no segundo caso, perdeu para o INPC.

economia e rel do trabalho tabela 2 boletim mascaro agosto

A Tabela 3 ainda se refere à remuneração em espécie, apresentando os abonos, que são pagamentos feitos apenas uma vez, sem continuidade. O mais frequente é o abono por tempo de serviço, um prêmio concedido quando o trabalhador completa um número pré-determinado de anos na empresa. 

Na sequência, aparecem o abono aposentadoria (um prêmio quando o trabalhador se aposenta) e o abono indenizatório (um valor negociado para compensar e dar quitação a algum direito não cumprido pela empresa no passado).

As Tabelas 2 e 3 mostram que o adicional por tempo de serviço e o abono por tempo de serviço estavam presentes em 24,9% dos instrumentos negociados em 2020 e 20,7% em 2021. Estes números indicam que empresas e trabalhadores ainda valorizam as relações de trabalho de longa duração.

Finalmente, as duas tabelas registraram que a presença de benefícios e  complementos salariais decresceu em 2021, quando comparada a 2020, indicando que, além de perdas salariais, os trabalhadores amargaram perdas em outros itens da sua remuneração. 

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4. Benefícios não monetários

Além dos benefícios pagos em dinheiro, a negociação coletiva inclui diversos itens da remuneração, disponibilizados na forma de serviços ou de bens. A Tabela 4 os apresenta em ordem decrescente de presença nos instrumentos coletivos negociados e mostra que a frequência deste grupo de benefícios caiu em 2021, no seu conjunto. 

Os dois itens mais frequentes, apesar de importantes, são de pequeno valor: auxílio funeral e seguro de vida. Finalmente, a aposentadoria complementar, que muitas empresas oferecem, ainda não é assunto frequente na mesa de negociações.

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5. Benefícios de alimentação 

Devido à sua grande presença nos instrumentos negociados, os benefícios de alimentação merecem um registro à parte, que é feito na Tabela 5. Estes benefícios assumem pelo menos 4 formatos: Vale Alimentação, Vale refeição diário e mensal e Cesta básica. Todos registram queda nas respectivas presenças e queda também nos valores nominais e/ou reais. Assim como nos demais, houve perdas também nos benefícios de alimentação.

Outra razão para o registro à parte, é que os benefícios de alimentação são objeto de um programa antigo, o Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, que permite às empresas deduzir parte do Imposto de Renda para financiar estes benefícios. 

Como se sabe, o PAT pode ser extinto, pois está incluído no grupo de subsídios que o governo pretende eliminar na reforma tributária. A presença maciça na negociação coletiva pode indicar que, mesmo com a extinção do PAT, haveria muita resistência dos sindicatos para concordar com a eliminação destes benefícios dos acordos e das convenções coletivas.

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6. Contribuições sindicais

A presença de contribuições para sindicatos de trabalhadores é muito grande, chegando a superar ligeiramente a de reajustes salariais. A Tabela 6 indica que as contribuições para sindicatos de trabalhadores estão presentes em metade das negociações, nos dois anos. Se o leitor somar a presença de cada um dos tipos de contribuições sindicais, obterá um número maior que a presença total.

A explicação é simples: é comum haver mais de uma contribuição na mesma negociação. Por outro lado, a Tabela 6 mostra que, contrariamente ao movimento de queda generalizada da presença de benefícios e mesmo de reajustes, muitas das contribuições para sindicatos de trabalhadores estão mais presentes em 2021 do que em 2020.

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A presença das contribuições de sindicatos de empresas é significativamente menor que a dos sindicatos de trabalhadores, mas cresceu entre os dois períodos comparados, como demonstra a Tabela 7, a seguir. Similarmente às contribuições para sindicatos de trabalhadores, a presença das contribuições para sindicatos empresariais também cresceu em 2021. 

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O crescimento da presença na negociação coletiva das duas categorias de contribuições sindicais se deve, evidentemente, à extinção da compulsoriedade da contribuição sindical (o antigo imposto sindical) na Reforma Trabalhista. Para substituir a antiga fonte compulsória e garantida de recursos, os sindicatos recorrem cada vez mais à negociação coletiva para obrigar seus representados a financiar suas atividades.

7. Inovações da pandemia

A pandemia trouxe pelo menos dois novos assuntos para a mesa de negociação: o teletrabalho e a manutenção do emprego. A Tabela 8 mostra que a presença destes dois temas se reduziu em 2021 e, portanto, devem perder importância se a tendência de volta à normalidade se consolidar. 

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8. Considerações finais 

Este texto apresentou a evolução da frequência e dos valores de 42 tipos de cláusulas negociadas entre as empresas e seus empregados, nos primeiros semestres de 2020 e 2021. Apresentou também a estratégia de trabalho do Projeto Salariômetro, que transforma informações textuais em dados quantificáveis e processáveis. 

E, mais importante, mostrou a utilidade destes dados para os diversos públicos com interesse no acompanhamento das negociações coletivas de trabalho. 

1 Acordo coletivo de trabalho (ACT) é o documento que resulta da negociação entre uma empresa (ou um grupo pequeno de empresas) e um sindicato de trabalhadores. Suas cláusulas se aplicam apenas para a(s) empresa(s) envolvidas. Convenção coletiva de trabalho (CCT) é o documento que resulta da negociação entre um (ou vários) sindicato de empresas e um sindicato (ou vários) sindicato de trabalhadores. As cláusulas negociadas se aplicam a todas as empresas representadas pelo sindicato patronal. 

2 O endereço do MEDIADOR é: http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador/ 

3 Este texto apresenta todos os resultados de forma agregada para o país como um todo. Os assinantes do Salariômetro têm acesso a resultados desagregados segundo as atividades e as unidades da federação. 

4 O INPC é utilizado na mesa de negociação porque reflete a inflação para famílias com renda de até 5 Salários Mínimos, que constituem a clientela típica dos sindicatos. Os valores nos gráficos representam o valor do INPC acumulado nos 12 meses anteriores às respectivas datasbase. 

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